A ÁRVORE >> JANDER MINESSO
Segundo a Prefeitura, a árvore que ficava em frente ao prédio onde moro estava condenada. Oca por dentro. Então, o prédio recebeu autorização para contratar uma empresa especializada na remoção de árvores.
Quem organizou tudo foi o síndico. Ele ligou para a empresa especializada e fechou o contrato, mas não avisou o pessoal do prédio: nem o zelador, nem os outros moradores, nem ninguém. Talvez ele tivesse mais o que fazer.
Por isso, quando o time da empresa especializada chegou no domingo de manhã, ninguém sabia de nada. O encarregado da equipe de remoção tentou chamar o síndico pelo interfone, mas o porteiro eletrônico informou que ninguém atendia no cento e cinquenta e um. O encarregado pediu para insistir, mas o porteiro eletrônico fingiu que não entendeu e simplesmente desligou, porque também tinha mais o que fazer.
Como eu sei disso tudo? Simples: eu estava saindo para passear com a cachorra quando o diálogo aconteceu. Inclusive, o encarregado tentou pedir minha ajuda depois do fracasso com o porteiro eletrônico. Ele não olhou nos meus olhos, mas bradou para quem quisesse ouvir que era um absurdo ninguém ter se preparado para recebê-los, que o trabalho levaria o dia todo e eles chegaram cedo e precisavam pelo menos de um banheiro decente disponível e um pouco de água potável e ninguém naquele prédio queria ajudar. Pedidos razoáveis. Mas eram seis da manhã, minha agenda estava cheia e eu tinha mais o que fazer. Então, deixei ele falando sozinho.
Quando voltava do passeio, comecei a ouvir um urro metálico. A equipe de remoção, puta da vida, resolveu ligar as motosserras e vandalizar o sono matinal do bairro naquele domingo. Eles ainda não estavam cortando nada e o barulho era só afronta. Achei cruel, mas segui minha vida. Entrei em casa, passei meu café cem por cento arábica, comi sem pressa e tomei uma ducha bem quentinha. Já estava pronto para sair outra vez quando minha esposa acordou, virada no ódio por causa do barulho. A essa altura do campeonato, eles já estavam serrando a árvore oca e condenada, que ameaçava cair e machucar alguém.
Minha cara-metade queria um ouvido amigo para destilar seu ódio contra aquela galera que não respeitava o sono alheio, mas eu estava atrasado. Interrompi a torrente de raiva dela com uma bitoca estalada, peguei a chave do carro e desci para a garagem.
Um parceiro do trabalho já estava chegando para que fôssemos juntos até a empresa. Afinal, algumas pessoas precisam trabalhar no final de semana. Entrei no carro, dei a partida e estava para sair quando pingou uma mensagem no WhatsApp. Era o meu parceiro.
“Cara, tem um monte de pedaços de árvore na frente da garagem. Você não vai conseguir sair.”
Indignado com a audácia do encarregado da equipe de remoção, fui obrigado a encontrar uma outra saída. Deu para ver o sorriso no rosto do sujeito quando passei na frente dele, já dentro do Uber. Será que esse cara poderia ter pensado numa solução diferente ao invés de largar toda aquela madeira na frente da garagem? Sem dúvida. Tinha até um caminhão da empresa estacionado ali, com a caçamba vazia. Mas algo me diz que ele tinha mais o que fazer.
Conforme o dia foi passando, o rancor deu lugar à monotonia em meu coração. Trabalhei, almocei, trabalhei mais um pouco. Tomei uns cafés. Cheguei em casa já no final da tarde, com o sol baixando. Passei diante da garagem do prédio, onde agora jazia um toco largo que já tinha sido uma árvore frondosa, de copa larga, porém oca e condenada. Quando me viu, o morador de rua que está sempre por ali comentou:
– Tiraram nossa árvore, né amigo?
– Tiraram.
Entrei no prédio, chamei o elevador e subi. Talvez fosse a árvore cortada, o meu comportamento matinal ou as palavras que troquei com o morador de rua: tinha algo de doloroso naquela sequência de acontecimentos. Decidi colocar todo o ocorrido no papel para procurar a origem desse incômodo. Não encontrei. Então vou deixar quieto para não incomodar o amigo leitor que, sem dúvida, tem mais o que fazer.
Imagem: arquivo pessoal
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Comentários
Jander, esse seu sentimento eu sei o que, sinto, vivencio, mas nao sei me expressar.
É meio uma vergonha, um peso nas nossas costas e coração, pq não paramos nossa vida por nada, temos mais o que fazer. E depois, burguesmente, sentamos à nossa mesa bem alimentada e reclamamos, o bucho cheio, um charuto na boca, das pessoas que ou nao fazem nada e deixam o mundo do jeito que está, ou atrapalham a nossa vida com suas necessidades mesquinhas. Como ousam? E aí, o que ainda temos de humando se revolta e nos dá essa sensaçao amarga e ainda inominada. Sei lá. Poderia elaborar melhor, mas tenho mais o que fazer.
Belíssima crônica, Jander!