A GRANDILOQUÊNCIA >> André Ferrer

Para Don DeLillo (1936- ), o grande romance americano é um mito. DeLillo é um daqueles escritores que constroem verdadeiros painéis sobre a política e a sociedade do seu país. Como Philip Roth (1933-2018), John Updike (1932-2009), Saul Bellow (1915-2005) e Norman Mailer (1923-2007), DeLillo não parece ter feito outra coisa nos seus mais de 50 anos de carreira a não ser perseguir um tipo de romance capaz de dissecar e explicar a América.

Negar essa corrida do ouro, com uma pitada de humor e sarcasmo, parece fazer parte do jogo nos EUA. Toda a elite literária costuma fazer piada a respeito disso. Em público, o que move os escritores é a distração dos olhos desse ponto crucial. Agora, em seus escritórios, dada a qualidade do produto acabado, a conversa parece ser bem diferente.

O grande romance americano é um ideal mais ou menos inconfessável, mas que tem cumprido a função de ideal. Pode até ser um mito, contudo é um mito que eleva o padrão da literatura, aquece o mercado e dá ânimo aos leitores.

IMAGEM: ChatGPT
No Brasil, muita gente gargalharia se alguém confessasse andar no encalço do grande romance brasileiro. Em primeiro lugar, existe uma forte rejeição à narrativa por aqui.

Nos anos de 1970, a prosa poética tomou conta de corações e mentes. Nossos narradores, com a exceção de uns poucos como Carlos Heitor Cony (1926-2018), Antônio Callado (1917-1997), João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), converteram-se em poetas prosadores (ou prosadores poetas). O processo de análise e síntese da nação brasileira pela narrativa foi, então, adiado. Na verdade, entre 1980 e 2000, ele até mexeu as pernas, muito de leve, alongou os braços, bocejou um pouco.

Em segundo lugar, temos vergonha (ou medo) de uma tarefa tão grandiloquente. Dissecar o Brasil seria, então, um trabalho para os brasilianistas de Yale e Columbia e não para intelectuais nativos? Por quê? Talvez porque a nossa experiência sempre tenha sido péssima em relação a projetos grandiloquentes. Não, nós não temos o equipamento ianque de manutenção de ideais. A grandiloquência cobra um preço muito alto. No mínimo, o preço de se manter no encalço de um objetivo semovente.

Nos EUA, neste caso (e em muitos outros casos), o "know-how" é imbatível.

 


Esta crônica faz parte do projeto Crônica De Um Ontem e foi publicada originalmente em 14 de março de 2016.

Comentários

Jander Minesso disse…
Não tenho conhecimento e nem know how pra comentar, mas gostei das reflexões.
Nadia Coldebella disse…
Uma aula. Não, uma palestra. Muito instrutivo, na verdade. Eu penso que padecemos de um sentimento de inferioridade crônico, piorado pela nossa baixa autoconfiança. Tio Sam explica! Gde abç!
Zoraya Cesar disse…
Que texto mais atemporal! Texto nao, aula! O grande romance americano pode ser um mito, mas não é de mitos que nosso inconsciente e identidade são feitos? Mas agora vc me deixou encafifada, realmente, nao temos O grande romance brasileiro. Talvez O Cortiço? Grande Sertão, Veredas? Cara, vc me deu material para ficar acordada!
Albir disse…
De alguma maneira, evitamos nos contar. Contamos histórias particulares, mas é uma nação envergonhada, com a cabeça e o coração em Nova Iorque e Paris. Não acreditamos em nossa grandeza, descrevemo-nos como bizarros, exóticos e portadores do complexo de viralatas.

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