AMAR BASTA? << SORAYA JORDÃO
Quem conhece Ângela e Renato, sendo amigo dele ou dela, não cansa de se
perguntar: por que Ângela insiste?
Todos percebem que aquilo que eles têm (me recuso a chamar de relação) só
se mantém pelos esforços dela.
Companhia nas noites de sábado, nem pensar. Um parceiro para ouvir suas
inseguranças e preocupações, também não. Basta começar a falar sobre a
perseguição da sua chefe,
problemas de saúde da mãe ou picuinhas do vizinho para ele dormir.
Casamento da melhor amiga, festa de um ano do afilhado,
confraternização no trabalho, ela sempre está sozinha. Inimaginável para
Renato participar desse tipo de exposição. Não, não queria que, depois desses
quatro anos de encontros, as pessoas achassem que eles eram namorados.
Ângela esconde o descaso sofrido em justificativas ralas: Foi criado pela avó,
abandonado pelo pai, a mãe morreu ele era criança. É mimado e teimoso. Já
melhorou muito, hoje em dia vamos ao cinema juntos.
Por mais que os amigos próximos alertem para o fato de que Renato é uma
falácia, que Ângela merece alguém que a valorize, ela não ouve. Pior, se
afasta de cada um que aponta uma realidade que ela escolhe ignorar.
Mentalmente, rebate as acusações de canalhice, desrespeito e abuso com a
afirmativa: Só eu o conheço por dentro. Confia intensamente naquele Renato
que ela jura existir por trás dos gestos, ditos e feitos.
As grosserias dele, no glossário de Ângela, se chamam dificuldade de
expressar sentimentos (nunca desconfiou que ele não os tivesse).
A falta de empatia e presença nos momentos difíceis e cruciais da
sua vida, imaturidade.
O flerte escancarado com outras mulheres, diante dos seus olhos, pura
necessidade de lhe provocar ciúmes.
Aceitou relação aberta, poligamia, solidão a dois, apostando na mudança de
pele que um dia aconteceria. Tinha certeza de que a armadura cederia lugar
àquele homem apaixonado que ela garantia existir.
O sexo para Ângela nunca foi prazeroso, mas gostava de agradá-lo. As
conversas eram previsíveis e repetitivas. Contudo, ser a mulher amada por ele era
sua missão.
Quando o cansaço e a tristeza surgiam, denunciando o desgaste no polimento
da fantasia, se apiedava do seu pobre menino. Necessitava salvá-lo.
Seguia estropiada, abatida, deprimida, porém seguia tentando.
A cada dia aumentava seu relicário de desculpas e mentiras para que o sapo
coubesse na roupa de príncipe que ela tecia com esperança e bordava com
ilusões.
Por não saber mais o que dizer para a família a respeito do namorado
fantasma, deixou de encontrá-los. Também evita contato com as amigas da
faculdade e do trabalho, está cansada dos papos feministas.
Ontem, vi Renato aos beijos com uma mulher num restaurante. Ele realmente
pareceu mudado: carinhoso, sorridente, falante. Publicamente entregue.
Será que eles haviam se separado?
Sentada na mesa em frente ao casal apaixonado, liguei para Ângela. Atendeu-
me com pressa, não podia se demorar, Renato tinha ido visitar o avô em
Itaperuna, mas no dia seguinte, almoçaria com ela. Estava ocupada
preparando o assado que ele tanto gosta.
— Estamos muito felizes, graças a Deus! Ainda bem que nunca dei
ouvidos aos boatos dessa gente invejosa.
Mandei um beijo para o casal e me despedi.
Não havia o que fazer. Ângela adorava o impossível do amor, custasse o que
custasse. Se alimentava do devaneio de que o amor basta a si mesmo.
Nada iria mudar.
Paguei a conta, fui até o casal:
— Renato, quanto tempo! Você não morre tão cedo. Acabei de falar com
Ângela.
Comentários
Agora, o q foi esse final? Show!!