PATRIOTAS >> Albir José Inácio da Silva

 

“O patriotismo é o último refúgio do canalha”. A frase de Samuel Johnson não generaliza, não diz que patriotas são canalhas, diz que os canalhas se refugiam no patriotismo. A verdade é que os canalhas se refugiam em qualquer lugar.

 

Claro que o patriotismo pode traduzir sentimentos de preservação da história, da cultura, dos sacrifícios e glórias de um povo, mas isso não impede que seja utilizado pelos donos do poder para convencer os deslumbrados à execução do serviço sujo. E o que mais incomoda no patriotismo são as vítimas.

 

Na tragédia da guerra, por exemplo, o patriotismo é peça chave para arrastar inocentes para o campo de batalha e morte. Guerra que, segundo o piloto alemão Erich Hartmann “é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam, se matam por decisões de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam”.

 

Ela pode ter muitos motivos e razões, mas o patriotismo é sempre invocado na hora de dispor da vida de inocentes. Para os velhos ricos que se odeiam, é só uma partida de xadrez ou de golfe nos jogos de poder e acúmulo de patrimônio.

 

Ultimamente, entretanto, esse argumento tem se tornado insuficiente. Principalmente depois da guerra do Vietnã e dos sacos pretos com pedaços de filhos das famílias americanas, que percorreram o mundo nas produções de Hollywood.

 

Para reforçar os combalidos discursos sobre a glória de morrer contra inimigos desconhecidos, chegam os sacerdotes prometendo recompensas como paraísos, setenta e duas virgens, curas e prosperidades.

 

Alguns cumprem, histrionicamente, o papel de justificar as barbaridades cometidas pelos caciques, como acontece desde os primórdios, em troca das benesses do poder. Abençoam as lanças, pintam cruzes nos escudos, e os soldados estão prontos para matar e morrer.

 

Atraem seus seguidores com explicações simplistas, que os livram da humilhação de não entender conceitos mais complexos ostentados de maneira arrogante pelos intelectuais, cientistas e “outros sabichões”. A terra é plana porque está escrito nos livros sagrados, não interessando o que diz a ciência dos homens.

 

Raramente o Brasil se envolveu em conflitos externos, mas não nos faltam guerras domésticas para ameaçar a vida e a liberdade de jovens, adultos e idosos, arrastados pelo canto de sereia do patriotismo e enfeitiçados pelas promessas de prosperidade, sucesso, cargos públicos e outras bênçãos. Para tanto basta que depredem a sede da República, incitem as forças armadas e ameacem os poderes.

 

Além dos deslumbrados, que efetivamente cometeram crimes, há que se punir também os vendilhões, gurus, messias e demais charlatães e aproveitadores. Devemos isso às pobres almas atiradas no cárcere, após a tosquia, como cordeiros em sacrifício substitutivo, no lugar dos líderes, mentores e financiadores.

 

No dizer de Ruy Barbosa em Oração aos Moços de 1921, “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”

Comentários

Francisco disse…
Contundente, verdadeiro e necessário! Nossa democracia, de fato está na UTI.
Jander Minesso disse…
Você disse muitas coisas difíceis de um jeito simples, Albir. Sem falar na metalinguagem torta, que dá um tom triste ao conjunto. Gostei muito.
Soraya Jordão disse…
Tenho pensado nas guerras...às vezes, penso que estamos rumo a 3A guerra, mas com a sensação que só eu penso isso. Adorei seu texto.
Zoraya Cesar disse…
Dom Albir conseguiu escrever sobre um tema extremamente preocupante de um jeito tão leve q a gente só sente o amargo na boca qd termina de ler
Nadia Coldebella disse…
Acho que a questão dos autoritários em todos os níveis e formatos está bem estabelecida. As desculpas e argumentos que utilizam para racionalizar seus atos hediondos também. O modus operandis da força e manipulação idem. Seja dentro de casa ou na condução de um país. O q muda é a forma ou o grau. A pergunta, que me atormenta desde 2020, é: manipular o néscio, o inocente, parece óbvio, mas, o q leva gente instruída , sensata e até experiente a comprar essas ideias como verdades absolutas, sem perceber o engodo? Eu já me debrucei nessa questão, mas real!mente nenhuma resposta me satisfez.
Show de texto.
Albir disse…
Obrigado, Francisco, Jander, Soraya, Zoraya e Nádia, pela gentileza dos comentários.

Postagens mais visitadas