VAGA-LUMES >> JANDER MINESSO
O céu e o mar eram o mesmo borrão escuro. Ele apenas sentia as ondas. Pela força do hábito, pegou o lampião e seguiu rumo ao passadiço.
O timão dançava solto. A bússola insistia em apontar para o oeste. Nada de novo. Seguiu adiante, checando as cabines e os salões vazios. Depois, desceu as escadas. Percorreu o porão de ponta a ponta, sincronizando os passos com o ranger da madeira. Nhec. Nhec. Ali embaixo, sob a luz fraca, o mundo era ainda menor. Na volta, apanhou uma garrafa, um copo e subiu para o convés.
Sentou-se no chão, serviu uma dose e admirou mais alguns instantes de nada enquanto bebia. Logo os vaga-lumes começaram a aparecer, pendurados na noite. Um, dois, três. Às vezes, eram mais de cem. Sempre distantes, em outros barcos.
Virou o trago. Depois, um suspiro. Girou a rosca embaixo do lampião e uma tímida luz laranja tentou se esparramar ao seu redor, morrendo na noite aberta. Cobriu a chama com uma lona velha e também começou a brincar de vaga-lume. Levantava e abaixava o pano em intervalos irregulares. Não sabia se aquilo significava algo e tampouco gostava do acende-apaga. Mas continuou, erguendo e soltando a lona durante um bom tempo, igual aos outros e como sempre fazia. Lá pelas tantas, uma onda mais alta derrubou o copo, que rolou pela luz laranja do convés e sumiu na sombra. Ele só observou.
Tomou outro gole, direto no gargalo, enquanto jogava o pano longe e apagava o lampião com a mão livre. Deixou-se levar pelo sobe e desce do navio, que sacudia as luzes distantes. Ficou ali por horas ou anos, até que um grito sussurrou entre o vento e as ondas. Depois, algo caiu na água e um dos vaga-lumes sumiu.
Esperou mais um pouco antes de levantar. Deu um último gole e apoiou a garrafa na amurada. Dois vaga-lumes continuavam dançando. Mas vaga-lumes são feitos para sumir. Lembrou dos salões de festa cheios, da música e do cheiro de cabelos longos. Fechou os olhos, tentando desenhar um rosto com essas memórias, mas o balanço do mar o distraía. Tentou de novo. Outro vaga-lume cochichou um grito final contra o pano preto. Ele abriu os olhos. Pegou a garrafa, que continuava equilibrada na amurada, e voltou para sua cabine.
Imagem: Pixabay
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Comentários
Fui pro mar e lá fiquei. Como é bom ler algo que nos faz ir pra outro lugar.
Abaixando e levantando o pano, continuou acendendo e apagando, enviando mensagens, embora não soubesse o que significava.