LIBERDADE DE MOVIMENTO >> MÁRIO BAGGIO
A única coisa que não existe neste elevador é liberdade de movimento. Os cotovelos se tocam, sentimos o hálito dos outros na nossa nuca, apoiamo-nos nos vizinhos, apertamo-nos quando entra mais gente. Mas tocamos a vida do jeito que dá, porque não há outra coisa a fazer. No tempo em que estou aqui, me casei algumas vezes. Três, para ser exato. Tenho um filho, e meu filho, uma tartaruga chamada Emília. As pessoas são boas, quase todas: compartilham livros, convidam para tomar cerveja, fazem piadas e uma ou outra fofoca sussurrada no pé do ouvido de outro, porque ninguém quer criar discórdia num espaço tão reduzido. Um fulano de nome Dante, que é passeador profissional de cachorro, teve a ideia de cultivar couve e outras hortaliças num jardinzinho vertical que ele mesmo montou numa das paredes. Assim foi feito e não faltou comida para nós, humanos, nem para a Emília. Vivemos em paz e na harmonia possível. Quando a porta se abre e alguém salta, uma voz exclama lá do fundo: “Esse encarnou!” A porta se fecha alguns segundos depois e seguimos viagem. Não sabemos — ninguém sabe, é preciso deixar claro — o que acontece e por que isso acontece. A única coisa que sabemos é que o elevador continua subindo sem parar e que aqui não há liberdade de movimento.
Imagem: Barolo Palace, em Buenos Aires
(edifício histórico da cidade, cuja construção foi inspirada na “Divina Comédia”
de Dante Alighieri)
Comentários