LÁ E DE VOLTA OUTRA VEZ >> JANDER MINESSO
Construíram um templo para os moribundos no centro da cidade. Alívio em troca de esperança. Estando com os dias contados, ele logo foi aceito e passou a frequentar o lugar.
Detestava atrapalhar e odiava aquele prédio, mas só os estúpidos encaram a morte com bravura. Por isso, quando o medo e a dor falavam mais alto, corria para lá. Chegava pelos fundos, sempre com a esperança de que uma pílula mágica o mandasse de volta para casa no mesmo dia. Até aconteceu uma vez.
Mas em geral, depois da espera espetavam-no aqui e ali, entoando cânticos numa língua secreta. A esperança saía pelas veias aos poucos. Após a mortificação, mais algumas horas de espera. Na sua idade, era imprescindível que o ritual fosse assistido por alguém da família. E assim esperavam, ele e o acompanhante, contando o tempo pelo clique monótono das máquinas. Em algum momento, alguém do baixo clero aparecia com a notícia de que não havia notícia e que, portanto, deveriam mantê-lo enclausurado para mais alguns rituais. Deixava uma mala pronta para essas ocasiões, com algumas mudas de roupa e um livreto de palavras cruzadas.
Dali em diante, os dias viravam um constante cabo de guerra. Ele puxava de um lado, pedindo mais alívio. Na outra ponta da corda, exigiam mais esperança. Durante o dia, as batalhas eram lentas e quase tediosas. Mas à noite, quando as certezas desapareciam, era diferente. O pio das máquinas virava uma marcha. Os sussurros vindos do corredor invadiam os ouvidos, carregando o sono embora. E no exato instante em que o cansaço estava prestes a vencer, rasgavam o arremedo de sossego com novos rituais e novas pílulas.
Uma vez, ele quebrou. Era o décimo quarto dia de clausura. Estava sentado na poltrona, olhando para a parede, quando algo começou a sacudir dentro da sua cabeça. Parecia um pequeno parafuso solto, mas mal teve tempo de rir do clichê. Quando deu por conta, seu acompanhante gritava por ajuda na porta do quarto. Ele próprio demorou até notar que seu corpo se agitava em fúria, frustrado por duas semanas de purgatório. Levou ainda mais tempo para entender que o uivo que ecoava pelo quarto vinha da própria garganta. Não se lembrava ao certo como tudo acabou porque de repente estava deitado, assistindo aos programas de viagem com os quais se distraía.
Alguns dias depois, voltou para casa. Sempre voltava e continuou voltando até não voltar mais. Os homens santos jamais mencionaram o assunto, é claro, mas ele sabia. Todos sabiam. E perto do fim das contas, entendeu que as visitas ao templo não eram tão ruins. Drenaram sua esperança aos poucos, libertando-o do vício. E depois da última gota, ofereceram o prometido.
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Imagem: acervo pessoal
Comentários
E talvez alguém passando por isso ainda diga:
Normal, porque a gente sabe que acaba.