FESTA >> Ana Raja
Cansou da morte. Cansou da solidão, por isso voltou ao convívio dos seus. Ninguém viu o seu corpo frio, rígido e opaco. Ninguém chorou diante do caixão e nem missa de sétimo dia teve. Não ressuscitou no terceiro dia, e quando regressou, o mar não se abriu. A data exata do passamento era incerta e também era mistério se não havia sido morte matada de traição ou morte tranquila durante a madrugada. Somente a notícia do falecimento se espalhou pelas ruas. Depois de muito tempo, em um domingo festivo de fim de ano, ele caminhou pela avenida nunca esquecida e chegou até a praça, rostos conhecidos se animavam com a apresentação do coral. Sentiu a paz jamais encontrada na etérea mansão. Se embriagou do ar que brincava de erguer as saias das moças distraídas. Olhava nos olhos dos camaradas e uma saudade absurda revirava suas tripas. As bocas largas em sorriso marfim lembrou o motivo da festa tão terna. Por alguns segundos, experimentou novamente as sensações de um mortal. Para ele, era maravilhoso viver imerso no caos, nas manias, nas obsessões, nas futilidades.
Quando ainda possuía o sopro da vida, conversava com os amigos, bem à vontade, ao balcão dos bares, sobre as datas comemorativas. Não enxergava valor nelas. Eram apenas datas. O que é um dia comparado a todos os outros, dos que nos testam ao atravessá-los? No entanto, depois desse lapso de tempo, algo mudou. Uma data não era tão ruim assim. Um dia. Um dia de festa. De enlace dos corpos. De fala desapertada e comida farta.
Decidiu não ir mais embora e viver um dia de cada vez. Daria prioridade ao enlace dos corpos e a comida farta.
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