PERCEPÇÃO >> Carla Dias
Insiste na pergunta, ela sorri, dá de ombros, a resposta entulhada no desinteresse. Anda assim, desconectada de banalidades, dada aos rompantes interiores de alavancar reflexões que não se intimidam com desculpas de coser falseada tranquilidade.
Na cozinha, alguns misturam farinhas e açúcares ao veneno das deduções. Enxerga-se ali, para então sucumbir ao devaneio. A liberdade apreciada se descolou do compromisso com a rotina. Permitiu-se, mais cedo do que imaginara possível, apartar-se dos diagnósticos coletivos.
Era de abraçar o mundo e se espalhar em colaborações, não havia pedido que não se esforçasse para atender. Mas o tempo lhe cansou os músculos da disponibilidade, e a forçou a encarar a verdade: às vezes, colaborações não vingam em ajuda, transformam-se em servidão.
E já serviu para um tudo: ponte, desculpa, desinteresse. Foi escolha aos esgares, por falta de opção do outro; foi escolhida quando não acreditava nessa possibilidade.
O mundo não parou para ela apreciar tal consciência. Continua a cumprir seus compromissos, participar de conversas, realizar pequenas conquistas para atender as necessidades da realidade. Segue aprendendo, porque aprender, para ela, é saciar curiosidade que não se cala.
À noite, quando o mundo silencia, senta-se à beira da cama, despe os pés das meias, deita-se com um mundo que ainda não aprendeu a compartilhar.
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Prisão, flores e luar, Carla Dias. Para conhecer o livro: www.editorasinete.com.br/prisao-flores-e-luar
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