AI DE NÓS, COPACABANA! >> Albir José Inácio da Silva

 

Copacabana, com suas luzes, cores, taças, shows e contagem regressiva para o futuro imediato, brilha no luxo da virada, nas oferendas, na multidão e até no lixo do dia seguinte. Depois fica de ressaca no intervalo até a próxima festa.

 

Copacabana com sua pressa de chegar, e pressa de sair, em caravanas que vêm de longe para bater o ponto nas portarias ou encontrar o sol nas areias que aquecem o frango e ameaçam a maionese.

 

Copa progressista onde casais de todos os gêneros podem passear de mãos dadas na mesma calçada que cãezinhos perfumados emporcalham as pedras portuguesas em que dormem os intocáveis.

 

Intocáveis que provocam caretas de nojo em nobres decadentes com seus títulos de arrogância, narizes empinados, bengalas de cabo de vassoura e leques de propaganda da farmácia nova.

 

Copa que ameaça de linchamento os “di menor” pretos e pobres, e organiza feiras de adoção de lindos “bebês” já vacinados e vermifugados.

 

Copacabana dos furtos e roubos no calçadão sob o olhar distraído dos agentes em permanente vigilância de seus próprios celulares com jogos e redes sociais.

 

Copacabana com suas várias favelas que incomodam os olhos dos moradores e são escondidas dos clientes pelo discurso prolixo dos corretores.

 

Copa com asfalto de lazer aos domingos, um forte de cada lado e os fracos no meio, indefesos nas ruas, calçadas e areias, enquanto carros de polícia observam os acessos às ladeiras.

 

Copacabana que chora o fechamento das livrarias, restaurantes e bares tradicionais, e comemora a abertura de mais farmácias e petshops. Que vive do passado glorioso e nem sabe mais quem é.

 

Copacabana da praia, do futevôlei, das pranchas, do mate e de outras ervas proibidas, mas entregues de bicicleta e consumidas na areia.

 

Copacabana que se pretende o novo Woodstock tropical e acolhe multidões no réveillon e nos shows de astros e estrelas de todos os ritmos.

 

Copacabana que pode ser a nova “marcha com Deus pela família” nas manifestações golpistas, monarquistas e neofascistas, propondo ataque e destruição da República.

 

Ou a nova “passeata dos cem mil”, com gritos pela democracia, liberdade e respeito aos direitos humanos.

 

Pode ser ainda a nova “Rebelião de Stonewall” nas passeatas LGBTQIAPN+, sob o olhar cúmplice ou raivoso dos prédios da Atlântica.

 

Copacabana que desfila fascismos de um lado e direitos humanos do outro, fundamentalismo pela manhã e liberdade religiosa à tarde.

 

Que é um vulcão em atividade com seus bueiros fumegantes, suas fachadas que escorrem e sua gente que se agita.

 

Talvez não seja, como pressagia o cronista, o mar que vai invadir as garagens de Copacabana, mas os esgotos insuficientes e entupidos pelas toneladas de lixo.

 

Ai de nós, Rubem Braga!


Comentários

Zoraya Cesar disse…
O que dizer, Dom Albir, desse retrato tão fiel e acabado (e bota acabado nisso) do bairro que um dia já foi princesinha do mar e agora é uma bagunça e cloaca a céu aberto? Nada. Você já disse tudo. E esse tudo está longe de acabar.
Soraya Jordão disse…
Copacabana não merecia esse destino.
Albir disse…
Obrigado, Zoraya e Soraya!

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