REFLEXÕES SOBRE UM PASSADO RECENTE >> Clara Braga

Houve uma época na qual eu achava que eu precisava escrever sobre tudo o que acontecia logo que acontecia. E não era apenas escrever, era ter um opinião formada sobre o assunto e comentá-lo de forma inovadora, diferente dos vários outros textos que já estavam sendo escritos sobre esse mesmo assunto.

Acontece que eu não consigo escrever sobre as coisas logo que elas acontecem, eu preciso de tempo para digerir, entender e, só aí, formar a minha opinião bem o suficiente para conseguir escrever de forma que depois eu não vou me arrepender daquilo que disse.

Só que esse tempo que eu preciso faz com que meus textos estejam sempre "atrasados", já que falar de algo que aconteceu a mais de dois dias já é considerado hoje um passado muito distante e, por isso, desinteressante.

Bom, para não me alongar muito, estou contando tudo isso porque já deixei de publicar textos por achar que ninguém gostaria de ler sobre um assunto que já é considerado passado. Mas hoje isso não me incomoda mais, por isso, quero falar de um assunto que já aconteceu a mais de uma semana e, se isso te incomoda, apenas não siga com a leitura. 

No momento em que todos estão falando da cadeirada do Marçal, só agora eu consegui elaborar um pouco melhor a questão das denúncias de abuso do ex-ministro dos Direitos Humanos.

Quero começar dizendo que eu, como a grande maioria da sociedade, de início me deixei levar pelo patriarcado nosso de cada dia e cheguei a desconfiar de que essas denúncias eram uma ação política para descredibilizar uma figura importante.

Precisei ver o nome da outra ministra nos noticiários para começar a conferir credibilidade a pessoas que nunca deveriam ser questionadas sobre o corajoso ato de denunciar, afinal, muitas não denunciam, pois sabem exatamente que serão desacreditadas e, então, enfrentarão novas violências.

Levei um tempo para entender o quão perverso era isso, pois toda vítima deveria ter o direito ao anonimato, mas eu precisei ver o nome de uma delas para conseguir começar a acreditar no que estava acontecendo.

Só então eu percebi que eu não fui a única a ir por esse caminho, afinal, várias pessoas e veículos de informação que correram para se posicionar e comentar o assunto, até prestaram solidariedade à ministra, mas era no mínimo curioso o cuidado que vários desses veículos e pessoas tiveram de não citar o nome do ex-ministro e não o difamar, afinal, era preciso dar a ele a chance de se explicar, fazendo com que sobrasse para ela, a ministra vítima, a pressão de se posicionar para que a gente pudesse saber se a notícia era mesmo verdadeira ou não.

Putz, não basta ser vítima e ter seu nome revelado, agora ela ainda é cobrada de posicionamento para que, só então, a gente consiga começar a se questionar sobre o caráter de um homem que a gente tinha como uma figura de admiração.

Daí em diante, comecei a perceber que, de forma quase óbvia, as mulheres tiveram muito mais facilidade de entender o que estava acontecendo do que os homens. Mas o motivo para isso é tão triste quanto o resto da história, nós mulheres já estamos acostumadas a nos decepcionar com figuras masculinas que admirávamos. Para nós é mais fácil tirar um homem do pedestal e parar de olhar para ele com um óculos cor-de-rosa. Afinal, a grande maioria das mulheres é violentada por pessoas muito próximas, figuras de admiração, de confiança, de fácil convivência e assim por diante.

E então, depois dessa ficha enorme cair, a pergunta que ficou foi: até quando vai ser mais fácil duvidar de várias mulheres do que tirar um homem de sua posição de poder?

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Clara, em primeiro lugar, quero te dizer que tudo bem ser uma metamorfose ambulante e não ter a opinião formada sobre tudo. Em segundo, não tem nenhum atraso na sua reflexão,: ele é sempre atual, pontual e pertinente, não importam os atores. Em terceiro, tudo bem, nomear é tornar a coisa concreta, não dar nomes (ou evitar nomes, como no caso do ministro) é a tentativa de permanecer no limbo. De não lidar com o óbvio ululante. E em quarto, respondendo a sua pergunta do final do texto, talvez em cem ou duzentos anos, quando ser mulher não significar fazer parte de uma minoria, porque se há minorias é porque há preconceito. E onde há preconceito há fragilidade, subjugação e uma quase certeza de que o outro pode ser sujeitado. Mas pensando aqui, 200 anos é muito otimismo da minha parte....
Jander Minesso disse…
Correndo o risco de soar demagógico, eu sinto muito que acontecimentos como esse ainda seriam tão comuns.
Zoraya Cesar disse…
Clara, muito melhor esperar a poeira assentar e nossos pensamentos se ajeitarem, para nao termos de voltar atrás. Em tendo dito isso, lamentável q estejamos ainda vivendo esses momentos. Mais lamentável ainda é que eles nao passarão. Melhorar, talvez. Passar, nao.
Gostei como você introduziu o texto falando sobre sua necessidade de digerir os eventos antes de comentá-los. Acho super saudável e espero que mais pessoas hajam assim, porque como você disse, hoje em dia tudo tem que ser muito rápido, e o resultado é a superficialidade e o monte de asneiras que as pessoas se permitem dizer. Mesmo os especialistas têm dificuldades em avaliar uma situação na quentura dos eventos, como eles dizem aqui na França. Gostei também como você revelou seus preconceitos iniciais, mostrando como aos poucos foi se dando conta e mudando seu posicionamento. Acho que esta sinceridade é fundamental e ajuda quem te lê a se dar conta das próprias limitações e mecanismos internos. Gratidão.
Albir disse…
Uma coisa parece dar resultado ultimamente: fazer barulho, soprar apitos, bater panelas, denunciar. O silêncio encoraja essa violência. E como a vítima geralmente está impedida, cabe a nós gritar.

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