POR SER SUA FILHA >> Ana Raja


Inversão de papéis é algo assustador.

Foge à regra

ao curso do rio,

ao tempo da colheita,

ao trailer do filme,

à última página.

Eu vou à primeira aula de ginástica na nova academia com você,

não por ser sua mãe,

por ser sua filha.

Eu vou às consultas, aos laboratórios, à farmácia,

não por ser sua mãe,

por ser sua filha.

Nós vamos ao parque aproveitar a piscina. 

Fico olhando você, de longe, a caminhar com água até os joelhos.

Presto atenção se você passou protetor solar, se pegou o chapéu, 

tem feito um calor inacreditável.

Não sou sua mãe,

sou sua filha.

Ligo várias vezes durante o dia, apenas para ouvir a sua voz,

saber o que tem feito,

se assistiu a novela,

se fez sua caminhada.

Já tomou o Way? 

A nutricionista recomendou consumir junto com o lanche da tarde.

Não por ser sua mãe,

sou sua filha.

Nos despedimos e você vai para a sua casa:

me ligue e dirija com cuidado.

Foi tudo bem no caminho, 

tinha trânsito, 

pegou engarrafamento?

Vai dormir um pouco.

Quando você cozinha para mim,

os momentos que passamos juntas,

aquilo que os nossos olhos enxergam, 

as risadas que trocamos.

Você é minha mãe.

Eu sou apenas sua filha.

Sigo o amor, 

me transformo nele

toda vez que penso na nossa conexão.

Nunca farei o papel de mãe.

Sou a sua filha,

só filha, 

apaixonada por você. 


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Comentários

Jander Minesso disse…
Uma das pessoas mais sábias que conheço uma vez me disse: “crianças não são pequenos adultos, mas adultos são crianças grandes.” Seu texto também me deixou pensando sobre isso. Lindo, lindo, Ana.
Soraya Jordão disse…
Sua escrita tem o dom e o poder de me emocionar, sempre!
Zoraya Cesar disse…
Texto lindo e assustador. pq esse é o caminhar da vida. E, com sorte, passaremos por ele. Com mães ou pais. Belíssimo!
Mário Baggio disse…
Um poema em prosa, prenhe de sentimento e razão. É a vida que vale a pena viver. Grande, Ana.
Albir disse…
Que lindeza, Ana! Desses poemas capazes de falar por todos e por cada um que lê.
Que lindo Ana! Ontem fizeram 13 anos que minha mãe se foi. Ela tinha 55 anos, eu 32. Durante um ano ela sofreu no hospital e eu vivi esta inversão de papéis. Ela detestava quando eu a chamava de “minha mãe menininha” (era uma música que ela cantava com frequência antes disso). De fato não é natural… mas também me parece bonito você viver isto assim, aos poucos, no dia a dia. Aproveite dos momentos em que você ainda é filha, é tudo o que posso dizer. E obrigada por este texto claro e ao mesmo tempo poético, que me emocionou muito por aqui.
Nadia Coldebella disse…
Ah, me lembrei dessa passagem da música Pais e filhos ( descontextualizei): "São crianças como você/ O que você vai ser/ Quando você crescer?" Essa parada de finitude inverte as coisas, quem é frágil fica forte, quem é forte fica frágil. A vida vai fazendo voltas e a gente termina um degrau acima, mas no mesmo lugar. A criança de hj será adulto amanhã e velho depois de amanhã, mas como uma criança novamente. Eu acho que essa é a ordem certa das coisas e é uma benção ter essa oportunidade que vc retrata tão lindamente! Espero que sua filha-mãe te acompanhe por muitos anos e faça seu coração transbordar de amor!
Gde abç!
Anônimo disse…
Que sensibilidade, minha amiga! Ana Helena Reis

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