A MULHER SEM NOME >> MÁRIO BAGGIO
Ninguém
se lembra do meu nome, ficarão assombrados quando souberem que tive um. Para
toda a gente fui apenas tua mulher, tua esposa, tua rameira, a que desobedeceu,
a puta rebelde. A ninguém importa se naquela noite abandonei minha casa, minha
cidade, meus pais e meus irmãos e te segui — não cabe à esposa seguir o marido?
Corri ao lado teu. Mas, oh, pecado mortal!, olhei para trás. E paguei meu erro
com a própria vida.
Acaso tu
não escutaste os gritos, não viste o fogo consumindo tudo, as chamas lambendo
nossa casa e o corpo de meus irmãos? Nada disso te comoveu? Imagino que não. Mas
eu vi tudo porque olhei. Eu tinha olhos e olhei. Foi a minha desgraça. Comigo
tampouco te importaste. Tu correste, acovardado pelo medo. Medo, e também
obediência cega. Subserviência. Covarde!
E por
medo ficaste com nossas filhas naquelas cavernas, bêbado, fazendo filhos nelas,
fazendo nelas netos. Presta atenção no que te falo, maldito: emprenhaste tuas
filhas — nossas filhas! — como um ser tosco e lascivo, incapaz de refrear os
seus mais abjetos instintos. Emprenhaste as meninas que saíram do meu ventre, as
mesmas crianças que não hesitaste em oferecer aos estrangeiros como diversão
para garantir a tua própria sobrevivência, enquanto eu continuo aqui, eterna
estátua de sal, sem nome que alguém pronuncie, sem história que se queira
contar, sem algum desgraçado que se lembre de mim, diariamente espantada e sem
entender as virtudes do medo e da covardia. Do teu medo e da tua covardia, do
medo e da covardia de toda aquela cidade.
Enquanto
viveres, que a tua vida seja amaldiçoada pelo sal desta terra, pelo meu sal.
Imagem:
Pixabay
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