AMARELO-ÓBITO >> Ana Raja
Marcos a achava surpreendente. Até para morrer, a esposa pensou na família. Nunca se arrependeu de tê-la escolhido. Ainda se lembra de sua lista extensa de pretendentes. Analisou e experimentou todas, com perícia profissional. Não se casaria com qualquer uma. E ela, a que engravidou aos dezesseis anos, foi a escolhida.
Marquinhos — me refiro a ele dessa forma, porque Clarice o chamava assim — começou a repassar em sua mente os detalhes da semana da morte da querida esposa, e se maravilhou com os sinais deixados por ela.
Havia dado um jeito em tudo. “Deus do Céu, a coitada mereceu viver ao meu lado”, repetia o marido, engasgado em um choro duvidoso.
A casa estilo moldura. Espelhos que mostravam os cantos esquecidos. Piso encerado e lustrado indicavam o avesso desconhecido. A comida congelada daria até a missa de sétimo dia. Ninguém precisaria se preocupar durante a semana de sua morte. A mesa da copa ficou arrumada para o café da manhã do outro dia. Nenhuma louça na pia, nem café vencido na garrafa. O pão... até no pão da sobra do café ela pensou, e fez torrada com azeite e orégano.
O mais incrível para Marquinhos foi encontrar o vestido para o enterro ao lado do corpo desfeito de Clarice. Ela poupou a todos de procurarem uma roupa que pudesse expressar a sua feição suave, arrisco dizer, de paz.
Nenhum familiar sabia da sua cor preferida: amarelo.
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