VIVER A MORTE << SORAYA JORDÃO


 

Maristela tinha medo de barata, abelha, lagartixa, aranha, cobra, gato, mariposa, cachorro, escuro, chuva, altura, raio e traição. 

De igual modo, se assombrava com os mistérios do corpo. Havia sempre uma preocupação a lhe rondar: dor de cabeça era aneurisma; tosse era tuberculose e qualquer outro sintoma corriqueiro, nela, se tornava suspeita de câncer. Toda semana, um médico, uma consulta, um exame, um terror e uma insatisfação. Estava certa da gravidade do seu caso, embora não encontrasse provas do mal que lhe afligia.
Foram 86 anos de buscas, chazinhos, cápsulas, dietas, insônias, sofrimentos, promessas, angústias e orações.

Morreu sem descobrir qual era o mal que lhe afligia. 

Amor, amigos, viagens, risadas e sonhos? 

Não teve tempo para isso.

Comentários

Jander Minesso disse…
Outro dia ouvi uma frase ótima: “só o prazer afasta o medo.” E tem tanta gente que vive apavorada com a vida, né? Um belo aviso, este texto.
Anônimo disse…
Pra refletir!
Anônimo disse…
Nossa, que texto! Para refletir mesmo
Anônimo disse…
Problema de saúde pública. Maior do que a demanda por consultas e remédios só mesmo a demanda por atestados. André Ferrer aqui.
Ana Raja disse…
Que o objetivo de viver na alegria não se desvie da nossa essência! Belo texto.
Andréa Ferreira disse…
Excelente! Nos convida a refletir.
Nadia Coldebella disse…
Pra vc ver... Nem sempre vida longa significa vida vivida. E quando chega a hora, geralmente cai a ficha e cadê o tempo?
Show de texto!!
Zoraya Cesar disse…
Que vida triste! E, se olharmos em volta, qtas delas conhecemos. As preocupações com o que nem há de vir são as mais vorazes, comem tudo ao redor. Bela reflexão.
Albir disse…
O medo é um dos componentes do desamparo do ser humano. A um tempo necessário para proteger a vida e sufocante para bloquear a vida digna. É um equilíbrio delicado e doloroso.

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