A PALAVRA ESTÁ EM CASA >> Ana Raja
Elas moram em mim. Tomam conta de todas as minhas camadas. Se aconchegam nos metros quadrados que lhes ofereço; a nossa casa. As palavras gostam de percorrer os cômodos comigo, prestam atenção aos detalhes dos móveis, da decoração, dos quadros pendurados na sala e do vaso de uma planta verde. Depois desse olhar atento, se tornam capazes de se transformarem... de me transformarem.
As palavras dizem, com muita clareza, que elas serão outras, diante do rumo descabido dos parágrafos, ao se vestirem de novos significados. Às vezes, tento argumentar, declarando que melhor é deixar tudo como está. Então, se afastam de mim, em tom de castigo. Passo dias tentando recuperar a conexão e nada. Não há o que fazer, a não ser esperar. E sei que não vai demorar para a casa entrar em ebulição.
À mercê do silêncio delas, tudo parece sair do lugar. Os quadros ficam tortos na parede, a cama flutua no quarto vazio de nós. Os utensílios domésticos trocam as funções. Nesses dias, eu enlouqueço. Ainda tenho as minhas amídalas, o que, creio, me favorece na hora do berro.
Preciso gritar forte.
Após o grito, não me lembro das palavras pronunciadas, pois estava em uma espécie de transe, que abafou o meu som. Passada a estranheza de voltar a mim, a paz volta a reinar no lar em que moro junto com as palavras. Aos poucos, passam a me fazer companhia, e me dou conta de que elas nunca chegam, de fato, a ir embora. Existem escapes para as oportunistas.
Posso escrever em qualquer lugar, mas qualquer lugar nunca será a casa na qual habito, com o sentimento e a inspiração livres. “Casa”, palavra feminina, feito as mulheres que admiro e reinam no mundo da escrita; que, sem saberem, me arrastam para mundos coloridos. Cores herdadas que uso nas paredes da minha casa.
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Meu agradecimento a algumas das mulheres que me ajudam a viver a escrita: Soraya Jordão, Micheliny Verunschk, Nara Vidal e Carla Dias.
Comentários
É incrível sentir que quase tocamos os pensamentos que vem na cabeça, ao ler suas palavras. Pois vc é assim, pura delicadeza do trato, amiga cuidadora das palavras e emoções da gente. Te amo!
E ainda me identifiquei muito nessa passagem aqui: “Passo dias tentando recuperar a conexão e nada. Não há o que fazer, a não ser esperar.” Quem nunca, né?