MAR AZUL >> André Ferrer
Donangelo chegou à metade da escada. Parou. Queria saber do filho. Então, aspirou o ar e continuou bem devagar. Degrau por degrau.
O feriado estava no fim. Os convidados já tinham agradecido pela hospitalidade. Na verdade, estavam bem longe no momento em que Donangelo iniciou a busca. Sozinha, a esposa tomava martinis na piscina porque sofria de ansiedade.
Após tantas horas de recepção, ela pediu um tempo. Ele deixou. Estava preocupado com o filho que, durante o feriado, mostrara-se apático. Mal tinha falado. Um garoto realmente estranho, admitiu Donangelo. Conforme observara, nada fora capaz de animá-lo. Nem o stand up paddle. Nem o minigolfe. Nem o slackline. Por fim, naquela tarde de domingo, Hugo desapareceu. O pai ficou alarmado. Tratou de avisar a esposa de que faria uma busca. Ela brindou no ar. Uma azeitona rodopiou no líquido transparente.
Naquele instante, Donangelo desconheceu a paisagem. Jamais tinha visto um quadro tão tenebroso nos últimos nove meses. Tudo, até então, parecia um dia solar. A praia tinha sido alegre e festiva. Nunca experimentara semelhante impressão depois de mudar-se para o condomínio Vivenda Mar Azul.
Com a aposentadoria, ele decidiu morar num lugar diferente. Uma casa recém-construída e que também fosse distante da sua velha vida. Então, foi apresentado àquele paraíso cheio de funcionalidades. O Vivenda Mar Azul tinha supermercado. Consultório médico. As pessoas não precisavam deixar o condomínio para suprir as suas necessidades básicas — menos ainda no caso de serem aposentadas. Por isso, ele não entendia. Um vulto deprimente tomava conta de tudo e aquilo era inaceitável. Afinal, Donangelo estava protegido do que era chato e desgastante. Não colocava os pés para fora daquele mundo há meses.
Enquanto observava o mar e pensava, escutou um barulho. Hugo? Onde estaria? Então, Donangelo percebeu que se tratava de um ruído externo. Curvou-se. A testa tocou na vidraça. Um dos guardas passava na sua bicicleta elétrica. Ele diminuía a velocidade sempre que estava diante de uma casa e aquilo parecia uma reverência. Porque ventava, estava encolhido. Donangelo seguiu-o com os olhos. O capacete branco desapareceu atrás de uma cerca viva.
O lugar era formidável. Segurança. Conforto. Requinte. A coisa foi bem pensada, não tinha dúvidas. Marinada por quatro meses a partir de uma ideia recalcitrante da esposa. Numa noite em que Donangelo também tomava martinis, ela pediu que ele fizesse uma promessa. Tão logo a aposentadoria saísse, partiriam para o Vivenda Mar Azul.
Donangelo franziu o nariz. Colocou o indicador e o polegar nos cantos dos olhos. Esfregou.
Lembrando-se de algo, afastou-se da vidraça. A razão daquilo parecia absurda. Ora! Tanto tempo recluso. Longe das aporrinhações! Duas semanas atrás, tinha sentido algo parecido. Não! Nem chegava a ser tão grave, mas forçou-o a intensificar as atividades físicas. Experimentou, sentiu-se melhor e se jogou na prática da natação. Preencheu o que restava das tardes com a hidroginástica.
Então, o efeito foi estranho. Todo aquele exercício levou-o a pensar na primeira esposa, uma professora de educação física. Tal associação logo inundou a cabeça de Donangelo com pensamentos a respeito do filho, Hugo. Como estaria ele? Por que não convidá-lo para um feriado? Sim. A expectativa só aumentava desde aqueles dias e, com Hugo apático e desaparecido, não havia chance de paisagem solar alguma. Uma vez, na piscina, tinha tentado uma conversa com Hugo, mas o garoto evadiu-se. A mulher chamou Donangelo porque o barbecue estava na cozinha.
Ele aguardava a Páscoa há duas semanas e imaginava outra coisa. O filho conheceria a casa. O pai saberia das aspirações do filho. Boa oportunidade, realmente, para que os dois se informassem a respeito da fase que cada um vivia. Hugo no auge dos seus quatorze anos. O pai, aposentado.
— Ora! — disse Donangelo. — Depois de tanta expectativa, isto.
O homem colocou as mãos na cabeça. Deu dois passos para trás. Parou na beira da escada. Então, ele pensou no único lugar da casa que faltava para verificar. Sim! A biblioteca. Donangelo começou a descer os degraus. Caso não estivesse naquele cômodo, acionaria a segurança. Os homens das bicicletas elétricas fariam uma busca completa no Vivenda Mar Azul.
Lá embaixo, ele cruzou a grande sala. Estacou. Pequenas gotículas pontuavam a sua testa. Então, o homem abriu a porta da biblioteca e achou Hugo que, naturalmente, não lia. Sequer folheava um livro. Apenas dormia na chaise-longue.
Donangelo ficou aliviado, mas ainda pensava no tamanho da apatia daquele menino. Deixou-o na chaise-longue até a hora marcada. O motorista levaria o rapaz para casa. Na despedida, o pai quis fazer uma pergunta. O rapaz disse que ele podia perguntar.
— Filho. Eu sei que já é tarde para a clássica pergunta: o que você vai ser quando crescer? Contudo, gostaria de saber Hugo. Filho, o que te dá tesão na vida? O que você gostaria de fazer até se aposentar?
O rapaz pensou durante um minuto. Disse:
— Computador. Games. Essas coisas.
Naquela noite, Donangelo pegou um livro e tentou ler. Não conseguiu. Apagou as luzes do quarto e tentou dormir. Quando conseguiu, foi acordado por uma mulher cheia de martinis e melodias. Por alguns minutos, ela saracoteou em volta da cama. Entrou e saíu do closet. Deitou-se.
Ele sentou na cama. Impressionante!, pensou. Um segundo atrás, ela cantava. Agora, está roncando. Não compreendo. Então, Donangelo voltou a deitar-se. O sono tinha desaparecido.
Comentários