PALAVREADO >> JANDER MINESSO
A Língua Portuguesa tem palavras sensacionais. E não estou falando de saudade ou coisas do tipo. Estou falando de palavras bonitas de verdade: aquelas que dão vontade de encher a boca para falar.
Sacripanta, por exemplo, é legal demais. Se falada com a pressão correta no “p”, chega muito próximo da potência ofensiva de filho da puta. A questão é saborear cada fonema. O “s” precisa abrir com delicadeza. Depois, faz-se uma breve suspensão no “c”, seguido de uma passagem pelo “r” brando que traz a tensão exata para desembocar naquele “panta” sonoro e ribombante. Sugestão: encha o peito, solte um sacripanta em voz alta e me diga se não é uma delícia.
Proparoxítonas também são muito boas, começando pela própria proparoxítona: imensa e conspícua, essa grande gostosa das palavras chama a atenção por onde passa. Paroxítona e oxítona (que, por ironia, são proparoxítonas) não soam tão bem, mas resolvem. No entanto, só quem tem a coragem de mergulhar nas profundezas desse oceano encontra as verdadeiras pérolas. Obséquio. Solilóquio. Dentifrício. Tem algo de mágico nas proparoxítonas que acabam em -io: um certo ar de solenidade, uma força de quem sofreu muito na vida e sobreviveu para contar a história. Se alguém te pede uma pasta de dente, você não sente nada. Mas se a pessoa te pergunta “me emprestas o dentifrício?”, a perna chega a tremer.
Uma vez, li que em Portugal chamam as proparoxítonas de esdrúxulas. Coincidência ou não, esdrúxula também é proparoxítona, mas achei um uso meio esdrúxulo da palavra. Caso o leitor tenha alguma informação mais precisa sobre o assunto, queira por obséquio deixar seu comentário aqui. Mas por favor: sem solilóquios. Me emprestas o dentifrício?
A cedilha também tem seu charme, cedendo um tom jocoso à palavra. Imaginem que a grafia correta fosse tremosso. Seria sem graça, não? Mas quando você fala tremoço, até a embocadura muda. Com uma alteração simples, aquilo que poderia ser um petisco triste e miserável se transforma numa iguaria ímpar, que acompanha com maestria uma cervejinha gelada no seu boteco favorito. O mesmo vale para troça. Ninguém faria trossa com outras pessoas, porque seria uma atitude besta. Mas troça vale a pena fazer. A troça diverte, enquanto a trossa seria um troço monótono.
Todo leitor contumaz acaba elegendo suas palavras preferidas. Coleciono as minhas desde criança. Tenho muito carinho por alcaguete (a palavra, não a pessoa). Felpudo também é muito boa — talvez, o design mais funcional da língua, porque ela de fato soa fofinha e peluda. Tenho um amigo que é fã de balaústre; eu não amo, mas consigo enxergar o potencial.
Porém, décadas de busca me ajudaram a encontrar a mais fina joia da flor do Lácio. Muitas outras palavras tentaram, mas sequer arranharam seu verniz de perfeição. E com todo esse preâmbulo, imagino que todo mundo já saiba qual é a minha musa:
Amor.
Mentira! Rá. Peguei vocês. O amor é lindo, mas amor é uma palavra bem chinfrim. Na verdade, minha palavra favorita é nesga. Oxítona, dissílaba e maravilhosa. A Vênus de Botticelli da língua de Camões.
Para começo de conversa, a nesga é misteriosa. Um desavisado qualquer vai se remoer de dúvida: “Nésga ou nêsga?” Mas ela e eu sabemos a verdade. Seu “e” fechado é um lembrete anasalante de que o ar que passa por minhas narinas é tão vital quanto o elã que a nesga me suscita. Não bastasse isso, a nesga ainda investe relevância, gravidade e potência na frase onde aparece. Vejamos o exemplo:
“Enquanto houver um fio de esperança, seguirei tentando.”
Nada contra. Boa frase, sólida, bem construída. Mas sintam a diferença:
“Enquanto houver uma nesga de esperança, seguirei tentando.”
Que força! Que garbo! Que vontade de vencer! Se o fio é frágil e quebradiço, a nesga é adamantina. Quem tem uma nesga não precisa de mais nada. Ela é o início e o fim da prosódia, o Alfa e o Ômega. Palavra mais bela do que nesga, se existe, desconheço.
Mais do que expressar minha opinião, desejo com este texto que o leitor se aventure em busca de suas próprias eleitas. Seja na brasilidade de uma gambiarra; na desfaçatez de uma pachorra; no conforto de um cafuné; ou na lonjura de alhures, faço votos de que tal jornada seja tão felpuda quanto um balaústre.
E antes de ir embora, quero dividir um devaneio vaidoso. Imaginei um futuro lindo; um porvir onde me tornaria um autor relevante, lido em vários países ao redor do globo e traduzido em dezenas de línguas. Se isso acontecesse, mesmo que muito depois da minha partida, faria questão de voltar do além para acompanhar o trabalho do tradutor da minha obra. Gostaria de ver o bichinho trabalhando especificamente neste texto, suando a camisa em busca de um equivalente para cada pérola garimpada ao longo das linhas acima. E quando ele chegasse aqui, perto do fim, aliviado depois de tão hercúleo esforço, adoraria observar seu rosto se contorcendo em desespero ao notar que o texto termina, de modo arbitrário e gratuito, com uma belíssima patacoada.
Comentários
O dom que tu tem pra se expressar através das palavras é foda.
Sou tua fã.
Continue escrevendo. 🩷
Na sonoridade tem as musicais (retângulo, redondo, cantina...) e as engraçadas (patacoada, caneca, cócoras...).
As com e, eu amo (é fetiche, eu sei). Exemplos: esculachar, estropiado , esbaforido... Gente, são ótimas.
As que sugerem outra coisa sugerem só na minha cabeça e na maior parte das vezes sugerem coisas q não tem compatibilidade com palavras da língua portuguesa (pintassilgo, lúmen, brio, armistício).
A nossa língua portuguesa é um mar inexplorado e as palavras tem msm vida própria. Nenhuma língua é tão linda. Dito isso, tbm quero ver seu tradutor todo esgualepado no final.
Também me apaixono por palavras, mas me confesso volúvel. Por um tempo quero usar a palavra, repeti-la em voz alta, colocar num texto, mas depois esqueço e me encanto por outra. Acho que por isso frequentemente me abandonam com uma página em branco na mão. Eu mereço.