A DOR DO OUTRO TAMBÉM DÓI EM VOCÊ?
Ao longo dos anos, trabalhei em alguns locais e também fiz trabalhos voluntários que me permitiram entrar em contato com diversas realidades.
Uma coisa que percebi rapidamente é que pessoas que perdem tudo ou que por outros motivos diversos estão em situação de vulnerabilidade, sem dinheiro, sem comida e sem perspectiva de melhora, não querem saber de onde vem e quem são as pessoas que estão doando a elas aquilo que elas precisam.
Quem passa fome e ainda vê seus filhos passando fome, não pergunta de onde veio a doação da marmita, ela alimenta os seus e, normalmente, agradece a oportunidade de continuar viva.
Porém, isso não significa que essas pessoas perderam também a dignidade, o amor-próprio e o direito a serem respeitadas como os seres humanos que elas são.
Agora, nós, que não estamos em situação de vulnerabilidade e não estamos necessitando de ajuda para sobreviver, podemos parar uns minutos para refletir sobre o ato de doar.
Eu fui ensinada minha vida toda a doar. Algo que você não usa mais, pode fazer toda a diferença para alguém. Agora, aquilo que não serve porque não tem mais condições de uso, deve ser reformado ou, quando não tem jeito, descartado da forma correta.
Nos últimos dias, meu instagram ficou lotado de pessoas recolhendo doações, se mobilizando, convocando amigos, comprando mantimentos e compartilhando informações sobre como ajudar as vítimas da catástrofe no Rio Grande do Sul.
Como eu disse antes, as pessoas que irão se beneficiar dessas doações não estão preocupadas com a motivação de quem doa, mas me incomodou demais perceber que uma quantidade alta de pessoas está "fazendo a sua parte" em troca de likes e seguidores.
Agora você deve estar se perguntado como eu sei que essas pessoas estão doando apenas para "ficarem bem na fita". Bom, é simples, basta acompanhar um pouco as notícias sobre o que vem sendo doado.
Em todo lugar estão dizendo para só doar roupas que estejam em bom estado e para focar em roupas de gestantes, crianças e adolescentes, pois os demais tipos já chegam em excesso.
Mas as pessoas não se importam com isso, elas enxergam na dor do outro a oportunidade de fazerem aquela limpa no armário, tiram uma foto segurando as sacolas e postam avisando para o mundo que elas já fizeram sua parte.
O problema é quando as doações chegam: as pessoas se deparam com roupas sem condições de uso, com cheiro ruim e sujas. Não importa que não exista um jeito de lavar as roupas e não importa que pessoas que podiam estar fazendo a diferença estão precisando se mobilizar para trabalhar no descarte dessas roupas, o que importa é que agora aquela pessoa que fez a doação tem mais seguidores.
Não estou dizendo que não existam pessoas que de fato estão ajudando, que estão fazendo doações significativas e que estão realmente mobilizadas. Inclusive, gosto de pensar que essas são a maioria, embora eu não tenha certeza dessa informação.
Porém, acho importante refletirmos sobre qual é o nosso papel em uma sociedade que só consegue agir em prol do coletivo quando, individualmente, essa ação é benéfica para ela. De novo, o problema não é ter algum benefício em atitudes altruístas, o problema é considerar likes e seguidores mais importantes do que a dor de quem perdeu tudo.
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