Os merds << Soraya Jordão
Carlos está morto. João, Rita, Matheus, Bia e as Marias, também estão. Rafaela, Bento, Pedro e tantos outros, em breve, estarão. E nós não faremos nada.
Seguiremos fingindo não perceber que a escola, na ausência de um projeto sério, prático e efetivo de convivência respeitosa, é um ringue cruel, terrivelmente injusto. Um produtor de traumas reverberantes, fraturas emocionais e cicatrizes profundas para todo aquele que não corresponde aos padrões estipulados de beleza e sucesso.
Os baixinhos, altinhos, negros, obesos, magrelos, gagos, tímidos, inseguros, nerds, gays, trans, os que usam óculos, aparelho dental, cabelo black, os especiais, os menos favorecidos serão sempre os escolhidos. A isca do ódio, as vítimas do recalque alheio, o alvo móvel das intenções tirânicas e perversas de um grupo adoecido ou apodrecido pela total intolerância às diferenças e à diversidade.
E nós seguiremos nos fartando de discursos empapuçados de negligência e covardia: isso é coisa de criança; hoje em dia, tudo é problema; é na escola que a gente aprende a se defender... Tudo isso para nos pouparmos da responsabilidade ética de educar para o respeito, colaboração e empatia.
Nesta manhã de quarta-feira, nas salas de aula, pátios e banheiros escolares, milhares de crianças e adolescentes serão silenciados pelo medo e pela desesperadora necessidade de pertencimento a um grupo. Mas nós continuaremos os nossos afazeres, nossas postagens nas redes sociais, nossas selfies. E, quando noticiarem as agressões bárbaras, os suicídios e os massacres, esboçaremos nosso pesar limpos de qualquer culpa.
Ninguém vai se perguntar o que fazer? Como intervir?
Ninguém quer pensar sobre as causas e consequências desse horror?
Não podemos continuar negando ajuda, amparo, escuta, acolhimento e atitude aos que são perseguidos e aos perseguidores. Ambos, reféns de um sistema que desconhece a dor, o sofrimento e as vulnerabilidades humanas e promove a horrenda condecoração social dos brutos.
Se você está se perguntando: como posso ajudar? Comece prestando atenção nas crianças. Ao perceber brincadeiras baseadas na diminuição do outro, no apontamento das diferenças com escárnio, na insistência da implicância, no uso de apelidos provocativos ou vexatórios, não ache que é humor; não ria; não considere engraçado. Intervenha. Mostre que para ser divertido tem que ser confortável para todos os envolvidos.
Ao presenciar atitudes egoístas, preconceituosas, covardes e sem consideração pelo outro, intervenha.
Não estimule as competições ferrenhas, a falta de Fair-play, insultos ou desprezo pelo adversário. Avalie o percurso e a conquista de cada um a partir dos processos individuais, sem estabelecer tabelas comparativas e ranking de vitoriosos.
Pare de comparar as pessoas, valorizando uns em detrimento de outros.
Atente para as mudanças de comportamento, tristeza, introspecção, isolamento, irritabilidade, explosões de cólera, negativismo, esquiva, automutilação, desânimo das crianças e adolescentes.
Não naturalize ou banalize os sinais de sofrimento.
É fato que a escola deve se responsabilizar pelo ambiente que oferece, por projetos que estimulem a responsabilidade socioemocional, empatia, solidariedade e convivência saudável. Mas nós, pais ou não, devemos tirar um pouco os olhos do celular e observar a infância e a adolescência. Suas graças e agruras. Ter tudo (casa, família, brinquedos, roupas, dinheiro) não basta nem impede a angústia de existir e a desistência do viver.
No fundo, o que se quer é pertencimento. Sentir-se amado e valorizado sendo quem se é.
Amadurecer é um processo turbulento e espinhoso se não houver apoio, diálogo e acolhimento.
Temos falhado miseravelmente.
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