Sobremesa << SORAYA JORDÃO
No último final de semana, numa roda de amigos, da minha faixa etária (essa informação é relevante), conversávamos sobre o envelhecer e a resultante promoção ao cargo de colecionador(a) de perdas.
Sem nenhum preparo, convocação ou aviso prévio, somos obrigados a assumir o trampo, o B.O, a consequência, o castigo, nomeiem como preferirem, de termos nascido e sobrevivido até aqui. De forma sorrateira, em um dia qualquer, irmão de tantos outros, desfrutados em glória, acordamos os mesmos de ontem, num corpo mudado, cheio de vontades, ou melhor dizendo, de más vontades com a gente.
Os poros que antes sorriam, agora gritam por hidratantes, os nomes das coisas e das pessoas vão passear em outras mentes, a nitidez se embaça, a firmeza claudica, a lembrança do que fomos torna-se mais atraente do que a aposta no que poderíamos vir a ser.
Em comboio se vai a autoestima, a libido, a memória, a visão, a audição, o colágeno, os amigos, os amores, os dentes, os parentes, o estrogênio, as certezas, a autonomia, entre outras coisas mais, que não citarei para não partir, também, a esperança.
Nos tornamos desinteressantes, repetitivos, reclamantes para um mundo que exige plenitude e felicidade inesgotável.
Depois de muita queixa, chopp e debate, a maioria acordou que o melhor a fazer, na velhice, é aprender a perder para concluir a missão com honrarias.
Rebati, claro. Nem na escola me empenhei para me destacar, não seria agora que teria apego às premiações por bom comportamento! Só me faltava essa…no auge da falência hormonal, ter que dar conta de ser boa moça e acreditar na propaganda da melhor idade. Aí já é exigir muito do meu fetiche com a ilusão. Além disso, não precisa ser a melhor fase para valer a pena ser vivida, isso é coisa desse tempo invejoso e predador.
No final das contas, embora a fachada esteja em condições precárias, a casa em seu interior está arrumada, aconchegante, florida e perfumada. Decorada para apreciação dos verdadeiros. Já não convido ninguém por educação. Ando dentro de mim sem sutiã ou sapato apertado. De cara lavada, sem maquiar sorrisos para agradar.
Despida de tudo que me enfeitava, corro solta, frouxa, livre pelas horas.
Lembrei das senhorinhas que fazem ginástica na praça, lotam os ônibus de excursão para Aparecida e senti uma alegria menina.
Não envelhece quem quer, mas quem pode.
Mesa posta, farta. Saboreie sem pressa.
Comentários
Amei!
ps: precisamos fazer uma excursão para Aparecida.
Meninas, se forem mesmo à Aparecida, fiquem no hotel Rainha do Brasil
Sei bem o que é isso, ah, como sei!
Adorei a referência sutil a Manuel Bandeira e a mesa posta.