CONSTRUÇÃO >> Carla Dias >>


Na construção cabe tijolo, alambrado e tinta capaz de curar parede com marca de tempo. Não precisa ser novo de tudo; o bem cuidado, não raro, enfeita com novidade o que muitos acham já ter se curvado ao fim. Fim tem mania de se insinuar por longo período, levando-nos a acreditar ter chegado para ficar. E então nos enroscamos nos cabelos dele, sentindo a maciez cruel do que jamais será. De repente, ele decide sambar em outra vizinhança, e ficamos a sós com nós mesmos, despidos das nossas proteções, confusos sobre qual caminho seguir. Nem sempre isso importa, e botamos o pé na estrada das ousadias, porque quem beijou a boca do fim, sabe que ele brinca de quase acontecer, mas nunca deixa de concluir seu trabalho. Isso a alegria não faz. Ela aprecia despetalar lindezas para se mostrar aos crentes na sua eternidade, mesmo somente no durante de um apanhado de minutos; no quando a sua duração se estica por horas, feito um milagre pelo qual temos apego. Depois, a mágoa se aproveita para desfilar pelos poros da efemeridade da alegria, e isso inicia ditos e feitos. Tem choro de desaguar em antessala, ou às escondidas, no canto da varanda ou debaixo da chuva de confetes de carnaval fora de época. Há mar de se esconder dos olhos ao boicotar o marejar. Às vezes, fica difícil se desfazer da seca.  Alinham-se os astros, e nem sempre para provocar as marés. Alinham-se astros, pensamentos, planos, aspirações. Se houver sorte, da boa, a reciprocidade pode dar as caras e ser lida em cartas de tarô; aparecer, coerente e receptiva, de braços dados com o diálogo. Na construção, a solidão é abismo do qual somos içados pelo amor. Amor é palavra de tez macia e duração indefinida, e para defender seu significado, não nos poupa das aflições de dilatar sensibilidade, elas que chegam mancomunadas com adágios de nos embriagar até não sabermos quem somos a sós.

A sós é construção.

Acompanhado, idem.  


Imagem © 愚木混株 Cdd20,por Pixabay

 

carladias.com.br


Comentários

Jander Minesso disse…
Esses fins que ficam brincando de acontecer são tristes, mesmo.
Soraya Jordão disse…
Lembrei das vezes que acreditei que o fim não era para sempre. Ainda dói. Linda crônica.
Zoraya Cesar disse…
Um poema em texto. E caí na besteira de ler num domingo à noite. nem sei o que dizer. não direi nada, então, só mergulho nessas linhas profundas, me segurando na corda de segurança para voltar à tona.
Albir disse…
Belo e dolorido!

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