CATACUMBA >> Albir José Inácio da Silva
UMA SINHÁ
BOAZINHA
Durante o século XIX, a área onde
está localizado hoje o Parque da Catacumba era uma chácara pertencente à
Baronesa da Lagoa Rodrigo de Freitas. Por bondade, remorso ou medo do inferno,
a sinhá transferiu a posse das terras para seus escravos recém-libertados.
O nome Catacumba, segundo
histórias que se contavam entre os antigos moradores, devia-se à existência um
cemitério índio em tempos remotos. Mas quanto a isso não há comprovação.
Na década de 20 do século passado a
chácara foi dividida em 32 lotes. Nos anos 30 foram erguidos os primeiros
barracos, que se multiplicaram com a chegada de migrantes nordestinos fugidos
da seca nos anos 40.
A favela não incomodava ninguém, da
mesma forma que a senzala não incomodou nos séculos anteriores. A mão de obra barata estava ali à
disposição. A favela cresceu para os
lados e para cima.
Em 7 de agosto de 1967, o Jornal do
Brasil descreveu assim o cotidiano da favela:
“Às cinco horas da manhã, a Catacumba
começa a despejar seus moradores. Copeiras, cozinheiras e babás descem as
escadarias, saindo para as ‘casas das madames’”. Trabalhadores (grande número
de operários em construção) formam filas nos dois pontos de ônibus ou caminham
a pé em direção de Copacabana, Ipanema e Leblon”.
VALORIZAÇÃO
Algumas décadas depois a área da
antiga favela se transformou num dos espaços mais valorizados pelo mercado
imobiliário. Os antigos moradores começaram a incomodar com seus tambores, seus
barracos e sua pobreza.
A Lagoa Rodrigo de Freitas está no
chamado “anel de ouro”, área da zona sul do Rio de Janeiro que inclui Ipanema,
Leblon, Gávea e Jardim Botânico, onde estão os edifícios de luxo da classe A.
LIMPEZA
A favela da Catacumba foi removida em
1970, com as famílias expulsas ou transferidas para zonas mais remotas da
cidade, pelo Governador Negrão de Lima.
Há outras favelas na luxuosa zona sul
carioca, mas, com o fim da ditadura, a redemocratização do país e a
Constituição cidadã de 1988, novas leis puseram fim à sanha higienista que
inspirou os governantes do século passado.
Pela Emenda Constitucional nº 26 de
2000, a moradia foi incluída entre os direitos sociais. O Estatuto da Cidade,
Lei 10257 de 2001, determinou a regularização fundiária das áreas ocupadas por
população de baixa renda. E a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro
estatuiu que a política de desenvolvimento urbano se fará “sem a remoção de
moradores”, salvo quando há risco de desabamento.
MALDADE MARAVILHOSA
Mas as comunidades pobres ainda são
consideradas manchas na arquitetura e nas belezas naturais da cidade
maravilhosa. Sempre há os que sonham com
a “limpeza” dessas áreas. Além disso, o
custo de vida nos bairros nobres se torna proibitivo para os moradores das
favelas. Sem falar no assédio, às vezes criminoso, da especulação imobiliária a
que estão submetidos. Os sociólogos
chamam esse fenômeno de gentrificação, ou seja, a
substituição da paisagem popular por construções típicas de áreas nobres.
O Parque da Catacumba hoje abriga espaço
para lazer, esportes e piqueniques e oferece mirantes com vista para a Lagoa. É
mais um cartão-postal do Rio de Janeiro.
Os trabalhadores continuam chegando todas
as manhãs e voltando todas as tardes para suas casas. Mas agora gastam de
quatro a seis horas de viagem por dia.
E assim a senzala continua
imprescindível para as elites. Só que vai sendo empurrada cada vez para mais longe
da casa-grande.
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André.