O homem, a mulher e o cervo >> Alfonsina Salomão
O homem atropela um cervo.
O animal agoniza.
O homem, desesperado, busca um kit de primeiros socorros.
A mulher se dá conta da inutilidade do gesto; o homem está apenas prolongando o sofrimento do animal.
A mulher busca nas suas entranhas a força de dar um golpe de misericórdia no cervo.
O homem sente ódio dela.
Vendo o kit de primeiros socorros nas suas mãos, a mulher tenta explicar que não havia como salvá-lo. Mais uma vez, ela extrai forças das profundezas de si mesma para entender o homem, ir além do seu ressentimento. Ela também amava o cervo, mais até do quê ele. Durante anos, fizera de tudo para mantê-lo vivo e evitar que fosse atropelado.
A mulher sente a presença dos filhotes do cervo observando, paralisados, com olhos esbugalhados e orelhas empinadas.
O homem não quer saber nada do sofrimento da mulher. Eu não queria que o animal morresse, é sua culpa - grita. Ele parece esquecer o atropelamento e enxerga apenas o golpe de misericórdia.
A mulher se deixa insultar, mais uma vez, num excesso de compaixão que beira o masoquismo.
Até quando?
Comentários
No entanto, no entanto... quem dá o golpe de misericórdia sempre sofre mais. Principalmente qd náo é reconhecido. E qd falamos de casais, a pergunta é essa mesma: até quando?
Textaço, Alfonsina, textaço!
Beleza de texto!