VIVER DE MÚSICA >> Carla Dias
Gosta de escutar música ao acordar, qualquer uma capaz de lhe provocar a sensação de felicidade. Entre escovar os dentes e se enfiar em roupas, a trilha sonora parece ter vida própria, e lança ao recinto a pluralidade sonora: era felicidade, agora, inquietação. O ritmo muda, a urgência mora nos compassos. Intervém na ordem e escolhe algo mais devaneador. Antes de chegar ao refrão da canção, sente-se abraçado por melancolia; ela o congela no meio da sala. Odeia quando isso acontece antes do café da manhã, porque seu estômago revira, não aceita visita, e o vazio, destinado a ser apenas um eco de alerta para a necessidade de alimento, expande-se. Não gosta quando as palavras interferem na música, mas não consegue evitá-las. Nem tudo o que agrada vem sozinho, já aceitou o fato. Reconhece o valor das reflexões que acompanham tal sentimento, selando sua importância. Até a música precisa de quem a torne “alguém” melhor. No entanto, evita pensar em como o desagrado também pode ser apenas aversão à desestabilização de suas confianças. Por alguns instantes, perde a certeza de estar onde está. Culpa dos violinos gritando em seus ouvidos, enquanto aprecia a eloquência de suas vozes. Seu corpo vibra esquisito, como se a pele se soltasse dele, movimentando-se por conta, feito tecido morno. Enquanto calça os sapatos, os músculos reagem ao labirinto dos graves vibrando os móveis da casa. Antes de decretar o silêncio da intimidade de suas playlists, revigora o espírito, escutando sete vezes a mesma canção, odiando, em apreciação, o som das palavras a complementarem o da música. Às vezes, até lhes dá atenção.
Imagem © Anthony Scanlon, por Pixabay
Comentários
Existem os que vivem de música, os que vivem para a música e aqueles a quem a música faz reviver.
Tudo cientificamente comprovado.
Bjka, Carlinha