O GRANDE VOO >> André Ferrer

Subiu enquanto um grupo aguardava. Idosos. Todos animados à beira da piscina.

Do ângulo do grupo, via-se o homem contra o céu. Braços abertos sobre um dos trampolins, o verde, que era inferior ao vermelho. Então, alguém gritou: o céu é do brigadeiro! Saltou. A piscina recebeu o corpo e fragmentou-se numa coroa líquida enquanto o velho, que era só um peso decidido a ir para baixo, remoeu: brigadeiro. Como odiava esse tipo de menção!

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Quando mostrou a cabeça, as pessoas aplaudiram e ele reconheceu que havia um estranho exagero naquilo. Por que ovacionavam? Usavam aqueles termos? Nem se conheciam tanto assim! Na borda da piscina, ergueu-se com a ajuda da escada. O grupo formava um semicírculo naquele canto.

— Grande voo! — disse um.

— Bela aterrissagem comandante — disse outro.

Uma senhora mostrou o outro trampolim (três metros acima do trampolim verde).

— Amanhã, gostaria de vê-lo saltar do vermelho — disse ela.

Com os olhos baixos, ele apalpou o peito e o abdome gotejantes. Onde, diabos, estava a esposa? Então, ele admitiu que aquilo era exposição demais. Um simples mergulho transformara-se em algo muito ruim. Superava tudo o que ele tentava evitar desde a sua chegada àquele hotel fazenda.

No primeiro dia, eliminou qualquer sombra de peripécia. Alegou a viagem cansativa. Meteu-se no bangalô enquanto a esposa, entre preocupada e irritada, fazia o social. A mulher chegou a falar com um dos hóspedes, um médico, que se prontificou a examinar o homem.

Pressão arterial de garotão, disse o doutor, que pediu a abertura das cortinas do bangalô e ficou diante de um paciente mal-humorado. Na manhã seguinte, fizeram uma trilha caipira e a esposa socializou, de novo, sem o comandante. Foi apenas no terceiro dia que ele cedeu. O homem aceitou ir até a piscina, mergulhou e foi pego de surpresa no fundo da sua despretensão. Imediatamente, enrolou-se na toalha e abriu caminho entre as pessoas. Caminhava em linha reta sem olhar para os lados. Foi seguido pela mulher, que notou algo estranho ainda no acesso da piscina.

À distância, ela chamou-o. Disse que estava perdido. Então, ele ergueu os olhos e leu numa placa: Hotel Fazenda Riachão. Estava nos limites da propriedade.

— Aonde você vai? A nossa cabana fica para lá.

— Mulher! Eu sei. Estou conhecendo o lugar. Conhecendo o lugar.

— Não parece.

Mas que diabos! Agora, podia se perder. Dar-se ao luxo de não levar mais a sério o sentido absoluto, a localização precisa, a orientação.

Poxa! Se começasse a falar, a mulher concordaria. Estava aposentado. Tinha ido pelo caminho possível. A patente almejada morrera em voos baixos demais. Com certeza, concordaria e um gosto de repetição seria deixado pela conversa. Por isso, ele ficou calado, entrou no bangalô e fechou todas as cortinas. O doutor foi chamado no dia seguinte.

— Pressão arterial de garotão — disse ele.

Mais enfadado do que nunca, o paciente agradeceu com uma cabeça ligeiramente inclinada.

— Que tal ir à piscina? Um banho de sol? Um mergulho? Seria bom.

Não, pensou. Ficaria no bangalô até o feriado acabar porque sabia: exigiriam cada vez mais. Com toda a certeza, as altitudes seriam cada vez maiores! Trampolim vermelho, arborismo, tirolesa.

Comentários

Jander Minesso disse…
O mundo não é pra quem quer ficar no próprio canto.
Nadia Coldebella disse…
Deus me livre da tirolesa. Tem coisas na vida que a gente só deve errar uma vez, tipo casamento e tirolesa.

Eu gostei muito da historia. Se fosse meu caso, seria parceira desse "brigadeiro".
Carla Dias disse…
Tem aventura que fica bem só na vontade...
Soraya Jordão disse…
Exigiriam cada vez mais… exatamente assim.
Zoraya Cesar disse…
A incapacidade que grupos têm de entender a necessidade de solidão, mesmo que por pouco tempo, é inexplicável. Depois de certa idade, a pessoa não quer mais ter de provar nada! Pobre comandante, carregando suas frustrações e sem poder mergulhar em paz.
Albir disse…
A ameaça de altitudes cada vez maiores é suficiente para desestimular o primeiro degrau. Melhor ficar rabugento.

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