UBER >> Sergio Geia
Peguei o Uber na Francisca Miquelina.
Era um sábado ensolarado em Sampa, as pessoas flanando pelas ruas.
Após me acomodar no banco traseiro, ouvi uma voz saindo do rádio que me pareceu familiar. Em segundos identifiquei: Rod Stewart. A canção era suave e me fez bem.
Logo em seguida, uma que adoro: You Are Everything. E outra de não menos beleza: I Don’t Want to Talk About It.
O motorista deveria gostar, pois a playlist só tinha canções de Rod Stewart.
Pensei em puxar conversa, mas hesitei: é que motoristas de Uber de Sampa falam tão pouco, minha filha diz que é normal, que somente eu mesmo pra bater papo com eles.
Lembrei de Rubem Braga, que não faria “A outra noite” se o chofer de seu táxi não se interessasse pelo céu vistoso que existia acima das nuvens de chuva, após relatos de Braga que acabara de descer de um avião. Ou Prata não teria escrito “O taxista de cabelo branco” se não trocasse ideias com o chofer mala defensor do Dunga na Seleção, ou com o Adão com seus saberes sobre goiabeiras da Henrique Schaumann ou sobre jacas do parque da Luz.
Seriam os motoristas de antigamente mais chegados à boa prosa?
Resolvi arriscar, aquele motorista era um homem mais velho, bom gosto musical, não iria me decepcionar.
— Essa seleção é Rod Stewart — eu disse, mostrando que identificava o seu gosto. E completei: — Bom, né?
O homem abaixou a cabeça para mais perto do rádio, parecia tentar ler alguma coisa. Silêncio. Depois de alguns segundos de dúvida, disse titubeando:
— Acho que é... Deve ser...
Nada mais falou. Nem eu.
Ilustração: Pixabay
Comentários
Fiquei pensando se o motorista sabia mesmo o q tocava na playlist...