O GOSTOSÃO >> Zoraya Cesar
Sempre que Kleber mirava-se no espelho suspirava de satisfação com sua própria imagem, qual Narciso desavisado. Via músculos trabalhados e fortes, cabelo cortado seguindo a última tendência da moda entre os jogadores de futebol, peito largo, sorriso de dentes brancos e reluzentes. Como resistir à tamanha beleza?
As poucas rugas e o leve grisalho nas têmporas davam o tom certo de respeitabilidade que as mulheres mais jovens procuram em homens mais velhos: segurança, força, estabilidade financeira. Ele transpirava isso tudo, as mulheres farejavam. Andavam atrás dele como perdigueiros atrás da lebre, dizia o irresistível Kleber aos quatro ventos, um verdadeiro galã de novela das oito, acreditando-se um Tarcísio Meira (sei que existem novos galãs, que Tarcísio Meira já se foi desse mundo, que a maioria de vocês nem o conhecem, nunca o viram mais gordo - nem mais morto -, mas não me culpem. São as palavras e impressões do Kleber, não minhas).
Dizia fazer sucesso com mulheres de todas as idades e, a bem da verdade, ele não tinha preconceitos. Feias, bonitas, novas e nem tanto, se caíssem em sua rede eram tratadas como a mais fina iguaria e devidamente degustadas. Era um apreciador do belo sexo e costumava dizer aos amigos que nenhum homem deveria casar, a fim de ter tempo suficiente para todas as mulheres que passassem em sua vida. Um verdadeiro Don Juan. Autoconfiante em seu poder de sedução, Kleber não economizava nos trejeitos, maneirismos e cavalheirismos à moda antiga.
Mas era Wanessa Cristina o seu sonho de consumo. Coxas grossas, barriga tanquinho, piercing no umbigo, que ficava à mostra mesmo nos dias mais frios, pois de que serve um piercing se não for visto? Wanessa Cristina nasceu com os cabelos mais negros que os de Iracema e suas madeixas cor da asa da graúna, mas era mais loura que a sueca mais loura do mundo (que eu não sei quem é, mas é sueca e é loura, pronto). A natureza fora extremamente generosa e se havia alguma coisa que Wanessa Cristina jamais precisaria fazer na vida era implante de silicone nos seios - se bem que, depois de certa idade, mulheres de seios muito fartos precisam dar uma calibrada e, afe, Maria, sai pra lá, inveja! Até porque, enquanto a idade não chegava, e estava bem longe de isso acontecer, Wanessa Cristina fazia questão absoluta de ser tão generosa quanto a natureza e usava decotes mais profundos que os pensamentos de um filósofo da Antiguidade.
Falta alguma coisa para completarmos a figura impactante do objeto de desejo de Kleber – e, a bem da verdade, de todos os homens da circunvizinhança? Sim, faltou esclarecer que trabalhavam juntos na mesma empresa e que seus lábios carnudos nunca se abriram num sorriso sequer para Kleber e seus olhos nunca se fixaram nele mais que dez insignificantes segundos.
Kleber, como todo conquistador, era persistente. Aparecia do nada na sala de sua musa apenas para dizer oi, perguntar se ela precisava de alguma coisa, fazia-lhe elogios, e, vocês sabem, conversa mole em barriguinha dura tanto bate até que ele conseguiu seu intento de levá-la para o abatedouro. Perdão, perdão, que expressão mais chula e desagradável, mas vocês entendem, era o que ia na mente dele, não na minha. Deixe-me tentar ser mais sutil. Ela a levou para uma noite das Arábias. Também não está bom, esta expressão já está mais ultrapassada que novela das oito. Bem, o importante é que depois de tanta conversa mole, bombonzinhos, elogios, favores, bajulações, promessas mirabolantes, o atlético Kleber conseguiu comer, perdão, ter intimidade carnal com sua musa. Passaram acordados a noite inteira, fazendo exercícios aeróbicos em dupla. Ah, assim está um pouco melhor, vamos deixar por aqui.
Importante, também, é deixar registrada a performance amorosa apresentada naquela noite, que deixaria Sir Richard Francis Burton corado de vergonha: nenhuma das posições do Kama Sutra que ele trouxe ao Ocidente se comparava às imaginadas por aqueles dois, finalmente entregues aos braços um do outro – e também às pernas, às bocas, às mãos e às outras partes do corpo que, tenho certeza, não preciso esmiuçar para vocês.
Incansável, Kleber explorava a pele macia, com a qual tanto sonhara, perdia-se nos cabelos compridos da sua adorada, pedia para ser mordido por aqueles dentes perfeitos, maravilhava-se de poder ver de perto o piercing que alucinava suas noites insones. Insaciável, Wanessa Cristina exigia cada vez mais vigor, e um pouco mais e outra vez de novo, desse jeito agora, daquele jeito mais uma vez, pedia para ele fazer assim que ela gostava assado e os corpos se misturavam e se separavam e se juntavam e se sobrepunham num incessante jogo de peças humanas, o suor porejando abundantemente, os olhos redondos de Wanessa Cristina bem abertos por mais de dez segundos, dentro dos olhos dele, fechados por mais de dez segundos apenas para o êxtase, sua boca constantemente entreaberta em sorrisos de prazer, ai, Kleber, como você é forte, como você é gostoso, como você é...
...
Ahhhhh, uhhhhh, D. Adileia acordou de novo, como em todas as noites, com os gemidos lascivos do marido
entremeados por seu ronco altíssimo, que mais parecia um trem agonizante.
entremeados por seu ronco altíssimo, que mais parecia um trem agonizante.
Velhusco, barrigudo, careca, flácido, desdentado, cabelos no nariz e pobretão. Vida ingrata, reclamava D. Adileia com as vizinhas, dá para acreditar? Quando casamos ele era bonitão, agora está um bagulho esse bagaço prestes a ser recolhido pelo caminhão de lixo. Com o que será que essa besta sonha tanto, vivia ela a se perguntar, pra se mexer desse jeito enquanto dorme? Traste inútil, se tivesse a mesma energia para o trabalho que tinha para roncar e se revirar durante o sono, a gente não vivia nesse miserê com o salário de faxineiro de 3ª classe...
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Essa história faz parte do projeto crônica de um ontem e foi publicada em 10 maio 2013.
Comentários
Nada mais certo: é a imaginação que nos permite sobreviver à realidade.
Maravilha, Zoraya, não lembrava desta.
Agora, sobre o Kleber, sonhar alto e sonhar baixo tem o mesmo custo, então ele escolheu bem. Só que eu fico pensando como deve ser frustrante acordar de um sonho e mergulhar num pesadelo...
Anônimo 1 - ah, se D. Adileia descobre...
Anônimo 2 - sei não, acho q D. Adileia até ficaria triste se perdesse o marido dessa maneira tão vulgar
Jander - obrigada! me divirto muito falando com o leitor. Mas olhe, acho q durante o sonho a única coisa q ele ouvia era o arfar apaixonado e sexy de sua musa
Andre - hahah, obrigada! Mas veja, esse texto é antigo, eu costumo variar um pouco pra que nem todos as histórias pinguem sangue
Anônimo 3 - ahhh, a ideia do Súcubo é ótima, vou usar, vou até perguntar ao Lucrécio Lucas se ele tem alguma pra me contar. Mas no caso nao era nao. Era sonho de iludido mesmo.
branco - adoráveis, sempre, são seus comentários, além de generosos. Muito obrigada!
Anõnimo 4 - puxa, gostei imensamente, TREMENDAMENTE, dessa sua percepção! Um texto triste... é, né? no fundo, nao deixa de ser. obrigada, de verdade.
Dom Albir - obrigada! esse vc pôde ler sem susto, né? Acho q o Kleber não é da época em que se dizia malhação. Mas eu tive de ser elegante (aliás, obrigada), afinal, esse é um blog família kkkkk
Nádia - amiga Countess, obrigada! Olhe, acho q o Kleber é meio teflon, sabe? ele vive no mundo das ilusões, entao nunca se decepciona. A realidade nao bate nele, ele criou a sua de gostosão durante o dia e de amante durante a noite. Um felizardo.
A todos, muito obrigada por seu tempo e gentileza!