MANHÃ CREPUSCULAR >> André Ferrer
Carlos acordou com uma sensação de urgência, um leve aperto no peito. A segunda-feira tinha sido corrida e a terça prometia, desde cedo, uma questão importante a ser resolvida. Seu chefe, um homem que prezava por detalhes e elegância, se casaria no sábado e todos os funcionários estavam convidados. Carlos, no entanto, não tinha um terno à altura para a ocasião.
Enquanto tomava o café, lembrou-se do velho terno que estava no fundo do armário. Pegou-o, analisando o tecido desbotado e os cotovelos puídos. Aquilo não servia. Sentiu a ansiedade tomar conta. Faltavam quatro dias de uma semana infernal. Uma jornada sem rumo pelo no mundo das lojas e dos alfaiates estava fora de cogitação.
Com os olhos arregalados, Carlos aguardou o processo. A máquina costumava ser rápida, mas aquilo pareceu uma eternidade. Talvez, vestir um humano fosse mais complexo do que informar sobre o tempo de gestação do pipargo-gigante ou acerca do idioma falado em Nauru. Sim. Ele precisava de um terno novo e bastante adequado. Tinha quatro dias para providenciar e qualquer ajuda era bem-vinda. Encontraria, certamente, o traje perfeito.
Olhou para a tela. A pequena ampulheta rodou mais um pouco e, finalmente, o processo chegou ao fim. O consulente notou que a máquina escrevia uma, duas, três, quatro, cinco palavras. Só isso?, pensou Carlos. Então, o homem leu o seguinte no monitor: “A singularidade* está próxima”.
P.S.: *Singularidade tecnológica: ponto em que, segundo estudiosos — entre eles John von Neumann, Gordon Moore e Ray Kurzweil —, as máquinas se tornarão completamente autônomas.
Comentários
Muito legal esse texto!