SAUDADES DA MÚSICA DE ELEVADOR >> André Ferrer

Há tempos, leio e ouço a palavra lo-fi. Ontem, feriado, quis pesquisar a respeito do chamado gênero musical dos millennials. Aprendi três coisas: ouço lo-fi o tempo todo (sem querer), lo-fi vem de low fidelity (baixa fidelidade) e muita gente diz que lo-fi é música de elevador. Absurdo! Eu discordo e resolvi escrever esta crônica a fim de defender este que é um dos gêneros músicais mais importantes da cultura brasileira: a música de elevador.

Há quem elogie as propriedades relaxantes da música lo-fi, mas existe um grande perigo por trás disso. Algumas pessoas acham que elevador é estressante e outras tantas acreditam no poder terapêutico da lo-fi, seus instrumentos musicais étnicos, aqueles gritinhos de criança ao vento, a conversa mole da água corrente. Pergunto: a música lo-fi contenta-se com elevadores assim como a simples música de elevador? Ora! Outras variáveis respondem com um sonoro não. Por exemplo, a existência do jovem místico é bem capaz de transformar o universo conhecido num elevador sonorizado. Na verdade, é o que está acontecendo agora. Neste exato momento.

IMAGEM: Pexels


Sabemos que é complexo. Lo-fi usa samples de bossa nova e bossa nova é música de elevador raiz. Pronto? É o bastante? Negativo. A lo-fi é como o diabo. Disfarça-se de um não-diabo só para se passar por música de elevador. Coisa que “não é” pura e simplesmente.

Há, decerto, este outro componente: a vontade do ouvinte. Mesmo que você não queira escutar lo-fi — mesmo dentro de um elevador —, ouvirá. Principalmente depois da pandemia, tornou-se cada vez mais raro ouvir música de elevador dentro de elevadores. A lo-fi domina esse ambiente mesmo não sendo música de elevador, entretanto, você pode se safar. Impossível não é. Você pode, por exemplo, recusar-se a entrar no elevador. O elevador, talvez, não tenha alto-falante. Ou, quem sabe, você consiga vandalizar o sistema de som. Há, ainda, a remota chance de você poder se refugiar no elevador, tendo encontrado música de elevador lá dentro, mas não se anime muito com isso.

As crenças das pessoas. A apropriação que a música lo-fi pratica sobre a bossa nova. A dificuldade de escapar de elevadores. Enfim! Para lá disso tudo, a lo-fi já se torna onipresente em dois outros ambientes (um virtual e outro físico): nos vídeos de tutoriais do YouTube e nos varejos chineses de quinquilharias. Infelizmente, música lo-fi não é música só de elevador.


Comentários

Carla Dias disse…
O elevador agradece sua crônica, e os apreciadores de música de elevador não lo-fi, também. Agradecida.
Zoraya Cesar disse…
A verdadeira música de elevador deveria ser declarada patrimõnio a ser preservado. Como as conversas sobre o tempo, os olhares para cima e para baixo, evitando olhar os companheiros de viagem, o fechar os olhos para ouvir melhor a música. Que o lo-fi seja confinado às suas origens!
Jander Minesso disse…
E nem vamos falar da sala de espera do dentista, outrora domínio sagrado das maravilhosas rádios “de classe”, tipo a Antena 1 (aqui em SP, pelo menos). Hoje, você chega pra arrumar a obturação e já tem um remix do Rom Jobim com chiado digital te esperando. Um perigo.
Albir disse…
Não tenho esse ouvido refinado. A mim me incomoda ter de deixar o elevador em meio a certas músicas. Vou ficar atento às suas reflexões.

Postagens mais visitadas