NATIMORTO>> SORAYA JORDÃO
O término de um relacionamento, quando motivado pela transmutação do sentimento inicial, é um processo delicado e doloroso para ambas as partes, embora quem tome a iniciativa de romper a relação ganhe a dianteira na digestão do fim. De todo modo, desamar é uma troca de pele sentida na alma seja por que motivo for.
Quem recebe o comunicado de um despejo afetivo perde o chão, o rumo e a direção. Se deixar mágoa é ainda pior. Embora, convenhamos, esquecer alguém sem contar com o ressentimento para impulsionar a missão, é uma tarefa árdua. Mas o esperado é a superação.
Mais complexo é o que não termina, porque nunca existiu, mas é suposto latente em outro alguém. Nesses casos, o que se vê são tentativas diárias de ressuscitar o natimorto.
Por que é tão difícil aceitar o que não existe?
Quantas relações se estruturam na distorção dos fatos, na produção fantasiosa de sentido, na compreensão do inaceitável ou na naturalização do abuso?
Muitas vezes o fastio do outro é o que mata a nossa fome de amor. Por quê?
Criamos teorias, equações escabrosas, explicações infinitas, desculpas piedosas e esfarrapadas para nos convencer de que o ser amado é aquele que imaginamos e não aquele que vivenciamos a duras penas.
Chega de criar histórias mirabolantes para preencher o vácuo de um amor que poderia ser, mas não foi.
Sejamos práticas, o sim não tem rodeios, cantoneira, eira ou beira.
O Amor é um sujeito oferecido, extravagante, objetivo e competente. Não se arrasta, se esconde, se atrasa ou se acanha.
Não se iludam. O Amor abocanha tudo que vê. Lambe os dedos e se refestela. Não carece de bula, manual, receita ou tutorial. Só existe onde se revela.
O amor é (f)ato, não precisa de interpretação.
Comentários
"Só existe onde se revela."
Que texto mais real e, ao mesmo tempo, suave. Você falou de Amor com maestria, o lado doloroso e o sublime. Amei suas frases. Me fez lembrar do "e por falar em amor", da Marina Colasanti, que salvou minha vida em um reino tão tão distante.