A SALA REDONDA >> Ana Raja
Foi minha primeira vez na sala redonda.
Não houve apresentação. Pouco importava quem você era. Nas duas hora e meia compartilhando meu tempo com elas, e elas comigo, não soube da profissão de cada uma, se eram casadas ou solteiras; se viviam com um companheiro ou uma companheira; quantos filhos tinham, pais, amigas de quem eram. Na sala redonda, essas informações não eram títulos, as palavras tinham muito valor e por elas conhecíamos a alma de cada mulher. Era possível enxergar, por meio dos relatos pessoais, a casca na qual se encontravam e não havia julgamento.
Você pode achar: ah, romantizou esse encontro. Não, se trata de algo diferente. A maioria de nós está acostumada a viver de acordo com as convenções. É surpreendente quando você abre o coração, a mente e os ouvidos para palavras não lapidadas, não decoradas de quinze mulheres se despindo do medo de compartilhar suas experiências, as boas e as ruins.
Compartilhava quem queria. Os assuntos? Desafios enfrentados por mulheres acima de 45 anos. A estrela do dia? A menopausa, acompanhada pela esperança da existência de vida, a partir desse momento de transformação, e pelas sequelas carregadas até o nosso fim. O tema provocou muitas risadas, calor e suor.
E teve muito mais. Falamos sobre a espera da aposentadoria, de poder ficar de camisola o dia todo e andar descalça pela casa; viajar, estar mais próximas dos filhos e dos netos, não fazer nada ou começar aquele tudo agora. Outros desejos também vieram à tona: sumir no mundo, encontrar um amor, trocar de amor... ou de carro.
Os perrengues de criar filhos e o alivio de não os ter. Às vezes, remorso por não ter insistido em uma gravidez, e, assim, caminhar pela vida com a sensação de faltar um pedaço de si e também do fracasso no avanço do progresso pessoal. Apesar de tudo, o que escutei tinha mais a ver com o realizado, não com o arrependimento.
Não existe uma pauta dos assuntos e nem regras de conduta, muito menos censura nos palavrões (adorei!). Pensei que tal lugar não existisse, mas existe. Quase secreto. Não fosse o altíssimo som das vozes, desconfiaria ter me tornado parte de uma confraria sequestrada dos sonhos.
Se manifestar era bem-vindo, mas os conselhos guardamos para nós mesmas. Durante os relatos das colegas, ouvi várias frases relevantes na sua variedade: “que merda, em que fria você entrou”. “mas é um babaca mesmo...não te merece”; “que chance espetacular você teve...seja feliz”; “é um inferno esse ressecamento vaginal...a sua médica pode prescrever um remedinho maravilhoso”; “nem sei o que faria no seu lugar”; “sentir frio na barriga não é coisa de adolescente...talvez ficar no beijo seja uma opção”; “quero ir com você no sex shop da próxima vez”.
Algumas mulheres podem pensar que esse grupo tem facilidade de se expor, falar da vida, reclamar, estão todas unidas e carregam os mesmos desconfortos. E não deveria ser assim com todas? Não vivemos os mesmos desafios, ou ao menos parecidos? Por que nos envergonhar das nossas dúvidas? Por que a culpa ao falar sobre o amor que inflamou e pousou em outro lugar? Por que perguntar se o realizado e o sentido estão errados?
Nós mulheres temos tantas coisas para dizer. Lutamos e temos voz para todos os nossos arrebatamentos. Não é preciso defender qualquer ideia desesperadamente, basta ser quem você é e escolher caminhar com outras mulheres. É bonito ver o nosso fluxo de vida.
Voltarei aos encontros de quinta da sala redonda. Tenho muito de todas as mulheres em mim e um bocado de mim em cada uma delas.
Compreendi o “a partir de 45”.
Comentários
Parabéns querida amiga!