TEM ALGUÉM AÍ? >> SORAYA JORDÃO
Ninguém escapa das sequelas de uma guerra. Mesmo aqueles que não dividem fronteira com os envolvidos no conflito, são bombardeados e atingidos por notícias, imagens e relatos que devastam a esperança na humanidade e a crença em dias melhores.
Ainda que o sol continue a nascer e a vida a seguir, carregamos, em algum nível, as feridas dessa tragédia em forma de medo, angústia, tristeza, lamento, preocupação ou pânico. Tem os que não são afetados pelos estilhaços da guerra, é verdade, mas esses não contam. São desertores afetivos. Só reconhecem o que atinge o seu cosmo particular. Não fazem par, não fazem parte. Estão alheios à noção de coletividade, conjunto, grupo, humanidade.
Como não se ferir diante da confissão de alívio, feita por um pai israelense, pela morte de sua filha de oito anos, por entender ser esse o melhor destino para sua pequena, tendo em vista o terror que a captura pelo inimigo representa, ou diante do desabafo desolado de uma menina palestina, de dez anos, ao perder sua casa, sua família, seus pertences e suas
referências devido ao contra-ataque israelense?
Como não se despedaçar ante o confronto com a infinitude de monstruosidades que a guerra representa para todos os envolvidos?
Impossível ouvir essas histórias sem perder um pedaço de si. Quantas partes de nós morre em cada cena dessas? Quantas sombras nascem pelo mesmo motivo?
Podemos defender a ideia de que o melhor é não buscar notícias, ignorar os desastres humanitários ao redor do mundo, mas tal atitude não nos poupa de perdas irreparáveis, pois, ao fechar os olhos, cegamos a empatia, a compaixão e a coragem que nos humaniza.
Do auge da nossa impotência, é possível extrair alguma lição de tamanho descalabro? Para mim, só fortaleceu a certeza de que a união, o apoio mútuo, a empatia, a amizade e o bem querer coletivo protegem, amparam e confortam, principalmente, em momentos traumáticos e tenebrosos. Exemplo disso, foi a comunicação, via WhatsApp, entre os israelenses de alguns kibutz durante a invasão do Hamas. Mensagens de apoio emocional e estratégias de sobrevivência ajudaram a proteger e acalmar as pessoas daquele grupo durante o ataque. Algumas famílias, mesmo sob ameaça de invasão de suas casas, abriram suas portas para que os vizinhos sob risco maior pudessem entrar.
O povo palestino também vem dando provas da força encorajadora que mora no sentimento de pertencimento a uma comunidade. Na busca de sobreviver às incursões israelenses, mesmo sem desfrutar das condições sociais, econômicas, geográficas e bélicas do adversário, uniram-se, apoiaram-se, dividindo alimentos, água, roupas, ainda que houvesse absurda escassez.
Ali onde o individualismo poderia triunfar em nome da luta pela sobrevivência, eles escolheram dividir para multiplicar, abraçar para se aquecer.
Sabemos que não haverá vencedores. A humanidade carregará essa horrenda cicatriz ao longo de sua história.
Contudo, lutemos, pelo menos, para extrair dessa situação uma lição que nos torne melhor do que éramos.
Sejamos apoio, força, lealdade, afeto, amor, solidariedade, acolhida, incentivo,
esteio, união, resistência, ética, verdade e fechamento com os nossos e com o mundo. Caso contrário, perderemos tudo, perderemos todos.
Seremos sós por não sermos nós.
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