CONFISSÃO >> JANDER MINESSO

 

– Padre, eu pequei.

– O que você fez, filho?

– Não quero falar.

– Você precisa contar.

– Por quê?

– Porque só assim eu posso te perdoar, Joãozinho.

– Mas não é Deus quem vai me perdoar?

– Por meu intermédio.

– Não quero falar com um funcionário. Chama o seu chefe, por favor.

– Você acha que Deus vai perder tempo com um moleque abusado que nem você?

– Eu é que não vou contar meus podres para o senhor espalhar depois.

– Que horror, João Pedro. Eu não posso sair por aí contando o que as pessoas confessam.

– Não pode, mas faz. Com essa cara de fofoqueiro…

– Desbocado!

– E além do mais, eu não fiz nada de errado.

– Todo mundo faz algo de errado.

– Inclusive o senhor?

– Eu sou padre, Joãozinho.

– Isso quer dizer que sim ou que não?

– Escuta: você vai desembuchar os pecados ou eu posso ir embora?

– Já falei que eu não fiz nada de errado.

– Então com licença, mas eu tenho mais o que fazer.

– Tirando aquela vez…

– Arrá! Conta.

– Deixa pra lá.

– Não, senhor. Solta a língua. O que foi que você fez?

– Besteira, padre.

– Você desonrou pai ou mãe? Cobiçou a mulher do próximo? Se entregou ao pecado do prazer autoinduzido?

– Se punheta for pecado, pode enfileirar a turma toda do catecismo aqui.

– Moleque: ou você conta agora o que fez de errado ou eu te excomungo.

– Eu posso vir na festa junina se eu for excomungado?

– Não.

– Isso é sacanagem.

– A escolha é sua.

– Tá, eu conto.

– Até que enfim. Vamos lá, do começo: “padre, eu pequei.”

– Padre, eu pequei.

– O que você fez, filho?

– Uma besteirinha.

– Que besteirinha?

– Nada demais. Nem vale a pena falar.

– Olha a festa junina…

– Tá bom. Saco. É o seguinte: todo dia, bem cedo, eu vou buscar pão enquanto minha mãe faz o café da manhã.

– Sei.

– E, na volta, eu passo aqui na frente da igreja.

– Certo.

– Acontece que, umas semanas atrás, eu resolvi pular a cerca.

– Você pulou a cerca da igreja?

– Pulei. E aproveitei para ir até a sua casa lá nos fundos. Pensei que um sustinho de manhã seria bom para Sua Santidade acordar mais disposto.

– Sua Santidade é só o Papa. Mas segue.

– Pois então: depois do pulo, fui bem devagarzinho pelo jardim, tipo um ninja. Só que, quando eu estava quase chegando na sua casa, ouvi um barulho estranho vindo de dentro do quarto.

– Hm.

– Para falar a verdade, era tanto barulho que eu fiquei preocupado com o senhor. E aí, acabei dando uma espiada pela janela, para ver se estava tudo bem.

– E estava?

– Não, nem um pouco. Eu tomei um susto enorme.

– Ah, é?

– A esposa do Seu Marcelo do açougue estava sentada em cima do senhor, gritando feito uma maluca.

– Fala baixo, pivete!

– E o senhor tava com o rosto todo vermelho, suado e rosnando que nem um bicho. Nessa hora, eu entendi tudo.

– Olha, João Pedro, eu—

– O senhor estava passando mal, né?

– Oi?

– Eu já vi isso na internet. E minha mãe também me explicou uma vez. O senhor teve uma parada cardíaca, não foi? E a esposa do açougueiro estava tentando te reanimar.

– Você contou isso pra sua mãe?

– Não porque eu não sou maluco. Ela me arranca a orelha se descobrir que eu pulei a sua cerca.

– Deus é bom.

– Mas a esposa do Seu Marcelo deve ter ficado com um baita calor por causa do esforço, porque ela tinha arrancado toda a roupa.

– Foi um esforço enorme.

– Eu imagino. Ainda bem que deu certo, porque no fim o senhor deu um último rosnado, bem comprido, e logo depois já conseguiu levantar e ir para o banheiro.

– Um milagre, menino. Um verdadeiro milagre.

– Graças a Deus, padre.

– Nem me fale.

– Enfim, foi esse meu pecado. Perdão.

– Tá perdoado.

– No duro?

– No duro. Pode ir.

– Sem nenhuma penitência?

– Filho: Deus não vai ficar bravo por causa de uma puladinha de cerca. Vai tranquilo.

– Amém.

– Mas não conta pra ninguém o que você viu, tá?

– Pode deixar. Não vou contar que o senhor passou mal.

– O povo aqui se preocupa à toa.

– Bênção, padre.

– Deus te abençoe.

Imagem: Pixabay

Comentários

sergio geia disse…
Jander, dei boas gargalhadas nesta manhã chuvosa. Fui coroinha, sei bem como é. Aliás, esse Joãozinho é esperto, hein? rsrs.
Cleber disse…
Chorei de rir…
Mas a melhor frase é: “Deus não vai ficar bravo por causa de uma puladinha de cerca”…
Poderia terminar esse comentário dizendo: se a moda pega?… mas parece que já pegou.
Anônimo disse…
Os Bórgias estão rindo muito
Daniel Melo de Ouro Fino disse…
É brilhante que fala né?!.....S2
Soraya Jordão disse…
Gostei muito da virada de cena. Muito bommm!


Zoraya Cesar disse…
Hahaha quase que o coitado do padre tem um ataque cardíaco de verdade kkkkkkk. Mas essa festa junina deve ser boa,.hein?
Nadia Coldebella disse…
Kkkk, um pecadinho de nada... Muito bom!
Adorei a condução deste diálogo, os dois ali entre serem formais, perderem a paciência, e depois a virada genial da situação. O Joãozinho é muito esperto, parabéns pra ele e pro autor!!
Ana Raja disse…
Jander,que diálogo bem feito! Muito bom ler o seu texto.
Carla Dias disse…
Minesso! Tô curtindo demais essa relação literária entre personagens e o que eles creem que Deus mandou eles fazerem. Como é bom ler você!
Albir disse…
Maravilha, Jander!
Mas você corre risco de excomunhão. Sorte que a igreja não vai quer escândalo sobre esse acontecimento.
Karla disse…
Você é Deu podiam ter um papo qualquer dia né.
Gasto palavras pra dizer o quanto você é incrível.
Parabéns 🫶🏼

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