TEMPESTADE >> Carla Dias
A tempestade contrariou os leitores de futuro, escorregando pelas encostas dos planejamentos, desmontando previsões e desligando a eletricidade. O vento sacudia árvores e toldos, reverberava sua presença pelos vãos, descompensava conexões.
Enxergou beleza no revidar do vento à impertinência das paredes ao tentar bloqueá-lo. Nunca gostou de ser ilhado, visto que isso sempre o fazia pensar no que jamais pensaria se pudesse fugir do assunto. Há tempos se cansou de esmiuçar fervuras internas, atendo-se às tempestades controláveis.
Até a agitação de fechar portas e janelas ser estancada pela beleza brutal da verdade: nunca as controlara de fato.
Parado no meio da sala, pensava sobre o que mais caberia naquele espaço além de móveis e utensílios. Começou a sentir a gastura de quem se vê acompanhado por desejos e mágoas escondidos debaixo de tapetes e da geografia dos sonhos inspirados por catálogos de produtos fisgadores de atenção. Fugia da solidão do quarto ao cair no sono, ali mesmo, espectador de desconhecidos que moravam em uma tela desligada por timer.
Não naquele noite. A tempestade o queria acordado e desligou suas distrações.
Deslizou a porta de vidro, sentou-se no chão da varanda entre peças de roupas despencadas do varal. O vento zunindo em seus ouvidos, lambendo seu corpo, despenteando seus cabelos e seus pensamentos.
Imagem © Julius H. por Pixabay
Comentários
São revoltas da natureza muito poéticas, maravilhosas de serem apreciadas quando seu olhar pode se perder no horizonte. Enchem os olhos!
Lindo texto!