ELAS PASSARAM POR MIM >> Ana Raja
Logo na chegada, fisgaram meu olhar.
A mesa, que ficava em um canto charmoso do restaurante, me deu a impressão de ter sido reservada atendendo a uma solicitação singular.
Sete mulheres a ocupavam. Bonito de ver tanta luz e entusiasmo durante as três horas em que permaneceram ali. Eu não pude ir embora antes de o garçom entregar a conta a uma delas, com um ar tristonho de despedida.
O que estariam comemorando? Iniciaram pelos drinques e logo os brindes fizeram as taças tilintar. A cada movimento dos copos sendo erguidos – sentido: céu -, sorrisos lhes escapavam. Palavras que eu não compreendia eram declamadas. Para mim, elas saíram de um rascunho no papel, preparadas para o momento. Por um instante, senti gosto de poesia.
Imagino que o motivo oficial do encontro eventualmente tenha sido esquecido. Pelo jeito de olhar, o movimento dos corpos e os sorrisos aflorando em gargalhadas, falavam sobre e para elas. Compartilhavam bobagens – algumas com inquestionável valor, e receitas de amor, lembranças, uma um pouco do que tinha no prato da outra e confidências individuais.
Aposto que se negaram a fazer qualquer plano para o futuro.
Estavam presentes no momento.
Não me incomodei por não compreender o que suas vozes entoavam. Observá-las, e imaginar suas histórias, foi a minha escolha do cardápio do dia. Seriam parentes, amigas, confidentes? Qual a idade de cada uma e que segredos carregavam nas bolsas acomodadas nas cadeiras? E os nomes? Ah, os nomes! Escolhi um para cada uma delas. Gosto de nomes. E para fantasiar as suas frases, precisava chamá-las e dizer, ainda no faz de conta: nossa, sério que isso aconteceu? Mas, que história genial! Vou fazer como você, Ana Helena, Eliana, Soraya, Ana, Odete, Marlene e Gabriela. Achei os nomes perfeitos, combinavam com o meu contemplar aquelas mulheres.
A alegria parecia a oitava presença à mesa.
Com a aproximação do garçom, às vezes elas amenizavam o volume da voz. No entanto, enxerguei no sorriso dele, oferecido a elas, de canto de boca, que se tornara cúmplice de alguma confissão. Como eu gostaria de ter escutado uma faísca do que diziam. Ele sorriu com elas, a pedido delas, tirou várias fotos do grupo, serviu os pratos com todo cuidado e, de forma alguma, fez isso para cumprir protocolo de bom atendimento. Aquele homem havia sido contaminado por algo presente em cada uma daquelas mulheres que se entregavam, sem medo, aos sons e significados das palavras.
Mostravam umas para as outras o celular, e a cada passada de olhos na tela, mais conversa era jogada sobre a toalha da mesa. O bordado de consoantes e vogais tomava forma e cor azul. Eram fotos? Gostaria de enxergar através dos olhos delas. Alcançar instantes, desejos, memórias.
A minha presença solitária, em uma mesa no meio do salão, testemunhava a apresentação de um filme com diálogos inaudíveis – certamente com inquestionável valor -, colorido, vibrante e moderno. No meu roteiro, a narrativa era poética; o cenário, ali. O figurino era o tempo.
O fim nunca é palatável. Se levantaram, meu coração disparou. Se dirigiram à saída, senti vontade de ir com elas. No caminho, pude entender uma frase sussurrada. A alegria me tomou.
Eu tinha algo em comum com aquelas sete mulheres: visitamos o terceiro andar antes do almoço.
Comentários
Ah, o terceiro andar foi a maior surpresa da viagem!
Um brinde a essa crônica e vamos repetir a dose!!!
Momentos como esse são de tal riqueza que só alguém sensível como você consegue transformar em um registro fiel do clima que lá reinou. Gratidão amiga!
Linda crônica!