AFIA-SE ESCOLHAS >> Carla Dias
Começou simples, feito hálito melancólico de tarde acabando em domingo esparramado na pele. Arrastou-se, ganhando forma ousada: respirar profundamente antes de anunciar partida. Partiu... partiu-se... Acordou à beira-mar de um deserto de fragilidades. Parou... transportou-se... atracou... sucumbiu... rebelou-se. Começou ao sentir outro habitando seu corpo em forma de ausência. O ar passou a lhe faltar, cortejador do pânico a reverberar intolerância aguçada. Inalou a tranquilidade de quem não mora mais na própria carne. Abandonou-se... aprendeu a viver a ausência do outro na malha da ausência de si. Enganou-se com a apatia de melhor companhia, atrevendo-se, vez em quando, a confidenciar a si, repetidas vezes, o jamais permitido a outro lhe entregar. Evitava o risco de escutar. Evitava-o ao custo de se desprender da negação à responsabilidade do sentimento. Recolheu-se. Sentava-se em bancos de jardins padronizados, sorrindo vivacidade induzida, confeccionando memórias descartáveis. Foi assim em um durante infinito até murchar. De uma distância segura, passou a observar aqueles em busca de tal liberdade desaforada. Encolheu-se. A ausência fez festa no seu dentro, mostrando-se aberta à negociação, de tão cansada de morar entre paredes-pele jejuando do eriçar de pelos. Ausência odeia covardia; aprecia o que reverbera em desesperada necessidade; cria armadilhas e desabrocha sem dar oportunidade para estancarem seu nascimento. Foi assim que seu corpo se apoderou novamente do outro a lhe preencher com ausência. Naquele momento, escutou lamentos se renderem ao frenesi insistente. Respirou fundo, de corar faces. Escolheu-se.
Imagem © Pixabay
Comentários
Texto inquietante!!