SOBRE FILMES DE ARMINHAS >> André Ferrer
Fotograma de Gran Torino (2008) |
As décadas de 1970 e 2010, a partir dos EUA, tiveram muitas semelhanças. Ambas castigaram os trabalhadores norteamericanos com crises econômicas. Ambas levantaram salvadores da pátria ligados à direita: Reagan e Trump. O resto do mundo só reproduziu a violência, o preconceito e o retrocesso em termos de direitos sociais.
Ao longo da sua carreira como diretor, Clint Eastwood deu sinais positivos. Demonstrou ter bom gosto. Descolou-se do cowboy e do policial rasos, que representam a solução dos problemas individuais e coletivos mediante uma arma de fogo. Tudo, realmente, parecia fluir para uma velhice, digamos, regenerativa e para um canto do cisne razoável, mas apareceu Gran Torino.
Uma vez mais, a crise e o clamor por um messias político inspiraram o velho Eastwood. Gran Torino é um produto da bolha imobiliária e da ferrenha concorrência asiática, na indústria automobilística, que criaria desemprego e fortaleceria Trump. A vizinhança asiática, no filme, e os muros que o protagonista insiste em construir dizem respeito ao clima instalado no país desde a ascensão e vitória de Barack Obama.
Walt Kowalski era um metalúrgico aposentado da Ford. Seu velho bairro “sofria” a desvalorização econômica e a ocupação por imigrantes latinos e asiáticos. Então, foi através do incômodo em relação ao diferente que, aos poucos, o inspetor Harry Callahan - lá dos anos de 1970 - começou a se revelar na figura do idoso e beberrão Kowalski. O interessante foi que, enquanto isso acontecia, a amizade entre o velho e um garoto imigrante crescia e tratava de edulcorar o inevitável revival de Dirty Harry em plenos anos 2000.
Além de inevitável, trata-se de “o revival possível” do herói vazio e violento. Em 2008, afinal - ao contrário do que ocorria em 1971 -, a arma como solução já era uma ideia um tanto quanto cancelável por uma parte pesada da população. Eastwood, em Gran Torino, criou uma espécie invertida e patética de senhor Miyagi do Magnum 357. Um mestre que, na prática, tem mais a aprender do que a ensinar. Muito. Mas muito mais do que pareceu aprender no filme.
Comentários
Aliás, suas críticas são ótimas, vc leva muito jeito nessas análises: tem uma escrita fluida e mordaz, que instiga o leitor.
Bem bacana!
Cada vez melhores essas misturas de crítica de cinema e análise sociopolítica que você faz.
Abraço