NADA DE VELHO NA CANALHICE >> André Ferrer

Fotograma de Nada de novo no front (2022)

Não existe diálogo se não há pausa entre as falas. Pode haver discordância, mas ainda haverá diálogo enquanto algum silêncio e reflexão aparecer como interface. Enquanto uma divisão correta do tempo resistir heroicamente ao confronto. 

A última adaptação cinematográfica de Nada de novo no front é, na forma, uma obra de arte sobre provocações, interfaces, respostas e pausas. Há, é claro, os momentos em que a resistência se rompe. A divisão do tempo dialógico se esgarça. A panfletagem belicista, o tiroteio, a guerra, enfim, o conteúdo muito bem trabalhado no romance por Remarque, aparece. O filme - repito - é uma obra de arte no que se refere à forma escolhida para um conteúdo já existente.

Erich Maria Remarque (1898-1970) foi à Primeira Guerra e o seu romance, lançado em 1928. Durante a escalada nazista, o livro foi proibido. Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, considerou antipatriótica a obra de Remarque. Tamanha, é claro, é a força dessa narrativa antibelicista.

Logo no início da história, assistimos a uma das cenas mais emblemáticas. Um professor discursa diante de rapazes muito jovens. Os mesmos que, cenas mais tarde, terão os seus corpos dilascerados em nome de uma ideologia cretina. “Pelo país, por Deus e pela pátria!”, instiga o professor.

O populismo e o discurso de ódio, em Nada de novo no front, não tem nada de velho. É sobre jovens sendo manipulados por demagogos. Tudo o que ainda acontece ao redor de ingênuos e espertalhões nos dias de hoje.

Comentários

Zoraya Cesar disse…
A História se repete. A ficção já cansou de nos avisar que para se transformar em realidade bastam uma vontade e um ingênuo. E lá vamos nós ladeira abaixo. Cada vez mais rápido.
Excelente reflexão, como sempre! Contundente e necessária.
Nadia Coldebella disse…
Eu amei esse filme! Ele me frustrou completamente, a morte e a dor eram inevitáveis. A perda e os olhos fechados o último recurso. Como vc diz, uma obra de arte.

Concordo contigo: mudaram-se os tempos, mudaram-se as armas, mas manteve-se o discurso. Enquanto no filme (e na história), lutar pelo país exigia uma entrega completa, física, sacrificial, hoje em dia andamos meio perdidos, achando que ilusões são rocha. Nossos corpos seguem inteiros. Nossos espíritos em pedaços.
Há crueldade nesse tempo tbm!
Albir disse…
Despertou meu interesse, André. Preciso assistir.
Ótimas reflexões!

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