Esmeralda >> Alfonsina Salomão
Esmeralda estava de saco cheio de tudo: dos filhos, do marido, do amante, dos amigos... Andava mesmo sem paciência para ninguém. As conversas lhe pareciam todas inúteis. Estava de saco cheio das coisas também: cozinhar, lavar roupa, cortar as unhas, tudo lhe custava. Até a aula de pilates, que sempre adorara, estava aborrecida.
Lá fora chovia, e ela pensando em fugir. Para onde não sabia. Nem pra quê. Começar tudo de novo? Que preguiça. Melhor continuar o que já havia construído. Não sentia forças para incendiar tudo. Na verdade, não queria escafeder-se, só parar um pouco mesmo. Para o mundo que eu quero descer. Para a procissão que a santa quer mijar.
Lembrou que havia um nome para isso: férias. Sim, era isso, precisava de férias. Ufa, não era um burn out, nem mesmo uma depressão, só a necessidade de uns diazinhos à toa mesmo. O problema é que, desde que virara mãe, férias nunca mais foram férias. Pelo contrário, todos os anos respirava aliviada quando enfim voltavam as aulas.
Pensou em suas amigas. Uma, mãe e artista, abria uma garrafa de vinho todas as tardes para conseguir chegar ao fim do dia, como dissera. Outra, mãe e advogada, botava os filhos na cama e acendia um baseado, sem o qual confessou não conseguir dormir. Ainda outra, mãe e empresária, tomava antidepressivos e comentou que não conhecia ninguém que não ingerisse um remedinho ou outro para manter a moral.
Seria esta a normalidade? Esmeralda não bebia sozinha, não fumava com frequência e nunca tomara soníferos, ansiolíticos ou antidepressivos. Talvez fosse este seu erro. Ao mesmo tempo, detestava a ideia de depender de uma substância, tinha medo de se lançar em algo que não conseguiria controlar. Não sabia o que fazer; sabia apenas que do jeito que estava não estava bom. Preciso encontrar uma solução logo, ou a próxima testemunha de Jeová que me parar na rua acaba me convertendo. Riu alto da própria piada, passou um batom na boca e foi buscar os filhos na escola.
Comentários
O triste, triste mesmo, é que, em maior ou menor grau, com maior ou menor consciência, tendo uma vida assim ou assado, todas temos uma Esmeralda em nós, querendo, desesperadamente, às vezes, uma saída.
Entendo perfeitamente e aceito o fato de a Esmeralda ser mais resiliente que eu. Veja, se com toda a minha sobrecarga, que não é pouca, eu tivesse ainda que administrar um amante, eu já teria aceitado ser testemunha de Jeová e nesse momento estaria contando sobre o crime dentro de um hospício!
Um gde bjo!