JOIAS?! QUEM BOTOU ISTO AQUI? >> Albir José Inácio da Silva
Homem simples, não gosta de ostentação, mas o destino, os amigos e, suspeita, até os inimigos insistem em presenteá-lo com joias, dinheiro e armas. A ostentação que abomina parece persegui-lo.
Ele não queria aqueles presentes. Usava caneta bic e relógio de plástico de vinte reais. Usava chinelo nas entrevistas, camisa de time de futebol, comia pastel na esquina e se lambuzava de frango com farofa. Tinha o desapego que Cristo ensinou.
Quando soube dos pacotes, pensou em tâmaras secas, azeite ou lenços coloridos. Não podia imaginar que o amor do príncipe chegasse a tanto!
Tinha com o sheik uma amizade quase espiritual. Identificavam-se política, ética e moralmente. Os dois são muito religiosos, combatem o gaysismo e os infiéis, protegem - mas tratam com firmeza - as mulheres.
O príncipe logo enxergou potencial naquela amizade. O amigo governava um país pobre, mas cheio de recursos naturais e preços baixos. Por seu lado, o ínclito governante brasileiro sonhava com o dia em que pudesse governar o Brasil como seu irmão príncipe.
Verdade que para os insensíveis e materialistas não existe amizade, só interesse. Mas uma amizade sincera pode perfeitamente justificar presentes de dezoito milhões de reais. Presentes que ele “não pediu e não recebeu”- esclarece.
O tesouro em joias e a venda da refinaria pela metade do preço provam antes a grandeza da amizade entre os governantes, digo, entre os povos, e nem de longe sugerem corrupção e manobras de lesa-pátria.
Mas a maldade humana é infinita. Comunistas do governo vermelho espalham mentiras pelos quatro cantos do planeta. As tentativas de regularizar as joias - para evitar o vexame diplomático de um presente preso na alfândega - viram peculato, contrabando, descaminho, advocacia administrativa, associação criminosa, e sabe-se lá quantos artigos mais do código penal.
O grande líder já desconfia de todos a sua volta. Enquanto os inimigos espalham calúnias, os amigos de ocasião começam a dizer que cumpriam ordens quando tentaram resgatar o tesouro das garras da Receita Federal.
Ninguém quer assumir suas responsabilidades, esqueceram as juras de fidelidade até a morte. Ao primeiro embaraço, apontam o dedo para o chefe. Quando queriam bajular, inventavam providências ousadas, ofereciam-se para missões arriscadas. Agora a covardia os paralisa. Responderão perante Deus por esses pecados.
Viram-lhe as costas os antigos aliados. Caos, desamparo, solidão. A esposa parece cobiçar o seu lugar na política, os filhos sempre falando bobagens nas redes e comprando imóveis com malas de dinheiro. Até o dono do partido faz planos para depois do seu aniquilamento.
Em meio a tanta heresia, o ínclito ex-governante espera, e assim esperam os homens de bem, que os conspiradores e caluniadores sejam punidos exemplarmente, e que seja reconhecida a inocência de um cidadão simples, honesto e desapegado de bens materiais, vítima dos traidores e das maquinações comunistas.
Mas não confia na justiça dos homens. Só resta ao ungido recorrer às orações de seu protetor espiritual, um próspero empresário da fé, que já lhe conseguiu muitos votos e pode agora conseguir um milagre. Oh, glória!
Comentários
A ironia é uma perola psicológica, pois permite lidar de forma construtiva e com humor com situações desastrosas, que provocam raiva, desgosto mesmo. É uma agressão quase passiva, que exige do interlocutor algum discernimento mental.
A sua ironia é tão refinada, Mestre Albir, que quase engana. Você conseguiu uma voz dentro da voz: enquanto eu lia pensava naqueles desavisados que concordariam em gênero, número e grau, acreditando em tudo, sem desconfiar da contradição. E isso é muito ironico!
Texto formidável.
Um abraço