CARO LINKEDIN >> Jander Minesso
Caro LinkedIn, eu menti para você. Mais de uma vez. À época, parecia a coisa certa a se fazer, mas hoje me sinto um pouco mal com isso. Então, na esperança de que você possa entender os meus motivos e até me perdoar, se o seu coração digital assim o permitir, resolvi admitir a culpa.
Antes de mais nada, eu menti quando falei que estava em busca de novos desafios profissionais. Foi só um jeito bonito de dizer que eu tinha sido demitido. Até porque, em sã consciência, eu nunca buscaria novos desafios profissionais. Minhas metas são sossego e dinheiro. Portanto, o único motivo que me leva a aceitar novos desafios profissionais é a chance de ganhar um salário melhor. E ainda assim, se o esforço for muito grande, prefiro ficar onde estou. De verdade, o que quero é trabalhar o mínimo indispensável para evitar ser demitido.
Teve também aquela mentirinha que te contei sobre priorizar minha carreira. Cara, eu tenho cachorro. O Malthus sempre me recebe em casa com festa e rabinho abanando. E nestes vinte e três anos de carreira ninguém, em nenhuma empresa onde eu trabalhei, me recebeu com o rabo abanando. Longe disso. Sendo assim, por uma questão de débito emocional, minha prioridade é o cão. Sem falar no grupo de carteado do qual eu faço parte, que se reúne sempre às quartas-feiras, sete e meia da noite. Em onze anos de reuniões, nunca faltei. Inclusive, já menti algumas vezes para sair mais cedo do trabalho, alegando problemas pessoais e chegando a ficar com os olhos marejados no meio da justificativa. Em minha defesa, juro que nunca foi fingimento: só de imaginar que eu posso perder uma noitada de carteado, sou invadido por uma tristeza de deixar o Robert Smith com inveja. Espero que você entenda.
Também fui pouco sincero ao listar minhas qualidades. Você vai concordar comigo quando digo que criatividade e perfeccionismo são um pacote supervalorizado. Qual o problema em me ater a fórmulas prontas e em acreditar na lei do menor esforço? São características intrínsecas ao ser humano. Nosso cérebro é igual ao dos nossos ancestrais pré-históricos e ainda segue a mesma diretriz básica, que é nos manter vivos. Imagine a seguinte situação: meu tataravô pré-histórico estava zanzando pela savana quando se deparou com um leão que ainda não tinha almoçado. O bicho pulou em cima dele. Mas o velhote, ágil que só, conseguiu se esquivar, tacou-lhe uma pedra e o leão fugiu. Ufa! Dois dias depois, ainda com a lembrança daquela experiência de quase morte fresca na cabeça, vovô parou para beber uma água na beira do lago quando de repente, pêi! Apareceu outro leão. O que você acha que ele fez?
Opção 1: pediu um tempo para o bicho até que ele, meu tataravô pré-histórico, pudesse pensar fora da caixa e encontrar uma solução criativa para o problema.
Opção 2: tacou outra pedra no leão.
Milhares de anos depois do ocorrido, estou aqui escrevendo. Então, podemos deduzir qual foi a opção que o vovô escolheu. Portanto, reitero: criatividade e perfeccionismo não são nada quando comparados às fórmulas prontas e à lei do menor esforço.
Outra coisa que eu não sou é proativo. Nem sei o que é isso. Mas todo mundo no LinkedIn diz que é, então pela pressão social senti que eu também precisava ser. Para mim, proativo é alguma coisa que vem dentro daqueles iogurtes que regulam a digestão. Só o novo Activia Plus tem todos os proativos que você precisa para seu intestino funcionar como um relógio. Pensando bem, faz sentido: se todo mundo faz merda no trabalho, que pelo menos seja sempre no mesmo horário. Assim, você já consegue se planejar.
Por outro lado, uma qualidade que não costumo comentar mas da qual me orgulho é a minha resistência à humilhação. Grandes humilhações, pequenas humilhações, humilhações crônicas ou agudas, tanto faz. Suporto cada uma delas como uma barata suporta a radiação. E vou te contar o meu segredo: a ração do Malthus custa uma pequena fortuna. Por isso, sempre que meu chefe me esculacha, lembrar do preço da ração me impede de tomar alguma atitude impulsiva. Inclusive, tenho um conselho para qualquer gerente de RH que queira diminuir o turnover de uma empresa: dê um cachorro para cada funcionário. Ou um gato. Ou um filho. É tiro e queda.
Acho que já ficou claro quanto menti sobre meus pontos positivos. Mas também fui pouco sincero ao falar dos meus defeitos, a começar pelo perfeccionismo. Conforme discutido há pouco, os perfeccionistas viram comida na savana. Sou um pragmático seguidor da filosofia de que a primeira solução razoável é a melhor solução. Se temos que matar um leão por dia, utilizemos pois a primeira pedra que aparecer no caminho. Funcionou com o meu tataravô pré-histórico e funciona comigo.
Outro defeito que está no meu currículo é a dificuldade em abandonar um projeto. Veja bem: o que eu mais tenho na vida são projetos inacabados. Eu os coleciono. Mas então, por que raios eu disse que era assim? Simples: tem uma lista na internet com onze defeitos bons para admitir numa entrevista e esse era o segundo melhor do ranking. Se você precisar, o link está aqui. É muito legal, porque eles inclusive já te dão o texto pronto caso você precise falar sobre o tal defeito. Achei super profissional.
Por ora, creio ter dito tudo que precisava dizer. Me sinto mais leve e até contente ao reafirmar: menti para você, amigão. Muitas e muitas vezes. E não sei se deixarei de fazê-lo no futuro, porque algo me diz que você gosta de ser enganado. Quem acredita em perfeccionismo merece isso. E agora vou levar o Malthus para passear.
Imagem © Jander Minesso
Comentários
Diferente dele você é humano, de provavelmente continuará errando, mas nunca vai poder dizer que não foi sincero com ele. 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾
Parabéns, Cumpa! Você é brilhante!
Ri alto aqui. Agradeço a leveza, o bom humor e a sinceridade absurda quase sarcástica. O LinkedIn se recupera. Ele é forte.
Manda um abraço pro Maltus!