O PERDÃO TAMBÉM MATA >> SORAYA JORDÃO
Há duas semanas, programas de tevê, rádio e redes sociais têm se dedicado a expor os horrores vividos por uma jovem atriz em sua relação com os pais abusivos. Não faltam detalhes sórdidos e provas materiais. Um ritual de lavagem de roupa suja familiar, em praça pública, para deleite coletivo. A todo instante surge o depoimento de alguém que presenciou, percebeu ou desconfiou que a relação era tóxica e abusiva. Por que ninguém denunciou? Todos nós sabemos que narcisistas e abusadores podem ocupar as mais nobres funções sociais e familiares, mas, ainda assim, resistimos em acreditar. Romantizamos o amor, a maternidade, a paternidade e a religião de tal forma que facilitamos o abrigo de perversas criaturas nesses espaços de poder afetivo. E, pior, muitas vezes, defendemos o exercício do perdão em nome da manutenção desses laços que cremos indissolúveis. Da vítima, exigimos uma dose extra de bondade para entender as atrocidades cometidas ao longo da história . Fabrica-se a culpa para extrair submissão.
Diante de relações amorosas abusivas, acontece o extremo oposto. Entregamos à vítima um manual de atitudes e cortes a serem implementados e, rapidamente, esgotamos a paciência quando o fim não se anuncia. Ignoramos, com isso, que define-se a relação como tóxica exatamente porque, ainda que seja desastrosa, do ponto de vista emocional, em um nível mais profundo existe uma dependência, uma necessidade, uma urgência desse vínculo, difícil de ser rompida. Sobretudo porque os abusadores sabem coagir, seduzir, manipular e conduzir a situação a seu favor.
Nenhum de nós está livre de ser refém de armadilhas subjetivas, assim como ninguém deve ser considerado acima de qualquer suspeita. Estejamos atentos ao nosso entorno. E quando nos depararmos com uma pessoa encurralada em uma trama cruel, sejamos bons ouvintes e parceiros. Que nos importe mais a pessoa do que a fofoca; a saúde mental do que o exemplo moral. Que possamos entender, de uma vez por todas, que vínculos afetivos saudáveis enlaçam, não enforcam. Que toda relação tem um custo, não uma dívida eterna e impagável de gratidão.
Não é preciso perdoar para se reinventar e seguir em frente.
Amor é fio que envolve sem estrangular.
Comentários
Adoro te ver pensando o mundo através da sua escrita. ❤️
Gde Abç!