JEJUM >> Carla Dias
Parou de falar, não havia assunto que a atraísse para a conversa. No começo, as pessoas se incomodavam e tentavam arrancar palavras da boca dela. Quando estava na presença de outros, ficava no melhor lugar para uma ouvinte ocupar, e permitia o olhar caminhar pelo recinto, em busca de paisagem na qual estacionar. Passava tempo observando o pó grudado no azulejo branco da parede da cozinha, lugar mais movimentado da casa, distraindo-se com o som dos dizeres de seus compartilhadores de espaço. Diante das receitas requisitadas — destinadas a jamais serem lembradas; dos lamentos sobre o que não foi feito; da bagunça à qual era continuamente atribuída autoria alheia, ela se recolheu. Seu silêncio foi se tornando atrevidamente profundo, de cultivar esquecimento. Deu de se abster dos movimentos. De manhã, sentava-se na poltrona da sala, voltada para a janela que oferecia paisagem de avenida abarrotada de automóveis. Antes de escurecer, levantava-se e seguia para um banho demorado. Após uma reza atropelada, por fraquejar na língua desmaiada, arrastava-se em direção à cama. Então, faltou-lhe a compreensão dos verbos de conduzir reações. Alguns se atreveram a tentar arrancá-la de dentro dela aos berros; em vão. Espectadores de seu padecimento, agoniavam-se por serem obrigados a comprometer tempo e história com ela.
De tanto jejuar de buscas, passou a viver da fome do desprezo.
Imagem © Guilherme Gomes, por Pixabay
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