SETEMBRO E O SEU CHEIRO DISTÓPICO >> André Ferrer

Nem o algoritmo das redes e o seu marketing aprisionante. Nem o canto das inteligências artificiais. A sedução massiva de seres humanos nem sempre dependeu da alta tecnologia para existir. Muito antes do rádio, determinados sentimentos já eram inoculados na população e funcionavam, realmente, como soro de convencimento e controle. Dentre eles está o patriotismo, que nunca foi e jamais será a solução para os problemas de um país.

No campo religioso, alguém sempre se atrela a (d)eus, tornando-se um intermediário, um representante divino na Terra. A beata fulana. O santinho sicrano. O missionário beltrano. Da mesma forma, na política, certos sujeitos podem encarnar a própria pátria e se transformar numa espécie de pai da nação. Em ambos os casos, vale dizer, o perigo reside no caráter irrefutável e irrepreensível do messias. O patriotismo, assim personificado, torna-se uma forma instantânea de populismo.

Diante disso, sente-se o cheiro da distopia (isto é, o impedimento de múltiplos pontos de vista e a adoção de um só). Há, no entanto, um caminho mais óbvio para se uniformizar pensamentos e ações? Para transformar seres humanos em idiotas? Ora! O patriotismo é dogmático. Não deixa espaço para a reflexão. É preciso ter a mente aberta para não se enredar. Ser minimamente desperto para sentir esse odor ainda nas suas mais sutis concentrações.

Pode-se, ainda, referir-se ao patriotismo como um histórico moedor de carne fresca. O que, no final das contas, tem mandado centenas de jovens para a guerra? Direto para a morte?

Liteira por Göran Schmidt Creative Commons

Antigo sedutor de massas, o patriotismo antecedeu o consumismo nessa área e, atualmente, também é impulsionado pela tecnologia da informação. Além disso, o patriotismo possui um forte caráter messiânico. Estimula o comportamento de manada. Justifica matanças tanto dos amigos quanto dos inimigos. Carnificinas que aprofundam as marcas etárias e sociais.

De natureza traiçoeira, o patriotismo seduz de forma massiva no início. Depois, volta cidadão contra cidadão, arranca direitos e destrói os fundamentos da democracia, que também são os fundamentos do Estado Moderno. Por isso, o patriotismo não é a solução para os problemas de qualquer país democrático.

Comentários

Jander Minesso disse…
E ainda assim, grande parte de nós segue em busca de messias e de manuais de instrução para a vida. Aliás, talvez ninguém escape disso em algum grau, por pequeno que seja.
Zoraya Cesar disse…
Olha aí o nosso Contundente Necessário em grande forma! Um assunto preocupante e árido desses e vc o transforma num prazer de leitura!
Estou com a Zoraya, um assunto grave e complexo escrito de forma leve e acessível em forma de cronica, muito bom!
Albir disse…
O escritor inglês Samuel Johnson afirmou: "O patriotismo é o último refúgio dos canalhas."
Nadia Coldebella disse…
Contundente e Necessário é uma ótima alcunha pra vc, André. Eu ainda acho vc preciso e cirúrgico. Nosso Cirurgião das Palavras Necessárias.

Outro dia estava lendo, por acaso, um texto não me lembro de quem, em que o autor esclarecia que, antes de toda e qualquer movimentação política de cunho extremista, precede o patriotismo exacerbado. Foi o caso de diversas ditaduras, do fascismo e do nazismo.

Pra vc ver que a historia é cíclica, só muda de roupa. E que as pessoas, de tempos em tempos, estão de novo no mesmo ponto.

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