MENTES DESCONFIADAS >> whisner fraga
o rei está na parede, de macacão, gola alta, capa, decote, cinto, maior do que o dos pesos-pesados,
outra vez me detenho em frente ao quadro, a foto em preto e branco ampliada, mas com ótima resolução,
os olhos dele, atrás do balcão, faíscam,
suponho que seja o proprietário,
não é sempre que alguém busca novos detalhes na imagem, não é sempre que alguém nota a existência da imagem, tão bonita, para mim,
antevejo a cena, pois não é a primeira vez que estou ali,
a loja tem poucos clientes e ainda assim ele não pode se recordar de todos,
mesmo que eu seja talvez o único a contemplar as minúcias do santuário,
seria ele aquele segurança que tenta conter a moça lá da frente?, prestes a um aperto de mão?, elvis só olha para ela, mas parece não enxergar nada além de notas, de compassos, de luzes, de fosforescência,
descobre alguma coisa enigmática atravessando o silêncio num orgasmo de ritmos,
brinco: é o senhor ali, né?,
ri, como sempre,
abaixa a cabeça, como sempre,
insisto: parece que alguém curte um rock, heim?, e do bom, heim?,
aguardo o próximo movimento,
e ele não decepciona: foi o melhor, ninguém depois cantou assim,
avanço: o senhor tem algum disco dele?,
o velho quase não se contém: chuta quantos,
repito o número da última vez em que estive ali: noventa,
uma gargalhada,
(eu sei a resposta, duzentos e cinquenta, mas não posso fugir do meu papel)
duzentos e cinquenta, ele corrige, radiante,
depois me conta, novamente, a história de um vinil raríssimo da coleção, de como conseguiu comprar o álbum a preço de banana, fala sobre o ritual para ouvir cada música, o aparelho, a agulha, a companhia da companheira de muitas décadas,
finjo menosprezar o valor daquelas lembranças, pesco o from elvis in memphis ali ao lado e peço para tocar,
ele maneja o vinil com um respeito intenso, pula a primeira música, como esperado, e vai para only the strong survive,
escutamos, em silêncio,
até que chega a hora, tenho de ir para a casa de minha mãe,
me despeço,
em dezembro você está de volta, não?, vão chegar muitas novidades,
sim, estarei por aqui nas próximas férias, respondo,
até lá, então.
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imagem: dall-e, de acordo com a instrução "uma pintura de george condo mostrando elvis presley sentado em uma velha cadeira". não ficou nada parecida com uma pintura de george condo: quem sabe na próxima, dall-e?
Comentários
A história é agradabilíssima de ler, especialmente como ela perpassa o cotidiano e como aquele quadro liga você ao velho. Uma historia de uma memória afetiva.
Gde abç