UBATUBA, A VIDA, E ALGUNS PRAZERES >> Sergio Geia

 


Só escrevo agora porque precisei descansar. Foi um ano escrevendo a cada quinze dias neste espaço, era a hora de dar uma parada, como faço todos os anos. 
 
Não é só escrever. Há a procura por boas histórias, a melhor narrativa a ser utilizada, o trabalho de divulgação, as redes sociais, o interagir com o leitor. Então, por isso, só escrevo agora sobre histórias que aconteceram no fim de 2022. Não tem problema, elas não perderam o time; em boa parte, são atemporais. 
 
No fim do ano passei alguns dias em Ubatuba, e pude rever meu grande amigo-primo João Guarnieri. Tomamos um café na Integrale. Para quem ainda não o conhece, João é um exímio pianista, suas lives são poderosíssimas e não é de se espantar. João possui um repertório refinado, toca e canta Tom Jobim, João Gilberto, Chico Buarque, Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes — no final desta crônica deixo um vídeo com uma de minhas preferidas, veja se não é bom. 
 
Além disso, João é professor de piano e revisor de textos. Conversamos sobre a vida. Eu, tomando suco de morango e comendo pão de queijo; ele, no suco de abacaxi, na mesa de sempre, no ambiente agradável e verde da Integrale
 
Assim como eu, João já casou, teve filhos e descasou. Eu disse a ele em certo momento que não acredito mais no amor, no apaixonar-se, na força de um beijo, no cheiro que fica, no frio na barriga. É claro que disse isso sem convicção, pois não sou ingênuo, mas é a minha sensação, talvez os anos tenham me dado isso. E se acontecer de novo — veja, não excluo a possibilidade — sei que será diferente, talvez com novas perspectivas e sensações. A vida de solteiro, assim como a de casado, não é perfeita, há os dois lados e sempre sentimos algumas ausências. 
 
Como ele disse, o que devemos mensurar é o tamanho dessas ausências. Disse a João sobre a minha necessidade de todos os anos tomar banhos de mar. Citei uma escritora que falava disso, mas não me lembrei na hora quem era, talvez Clarice, não tinha certeza. Procurei depois em meus arquivos e numa crônica minha achei: 
 
“Clarice Lispector, ainda menina, quando morava no Recife, diariamente pegava o bonde até Olinda para iniciar o dia tomando banho de mar. Era mania do seu pai. Ele acreditava que todos os anos se devia fazer uma cura de banhos de mar. Dizia que não se devia logo depois, tomar banho de água doce; o mar devia ficar na pele por algumas horas.”
 
E só mesmo Clarice ao dizer numa crônica: “Com as mãos em concha, eu as mergulhava nas águas e trazia um pouco de mar até minha boca: eu bebia diariamente o mar, de tal modo queria me unir a ele”. 
 
Foram dias de sol e calor — isso não é normal. Clodovil, por exemplo, que não saía de Ubatuba, chamava Ubatuba de Ubachuva, Caraguatatuba de Caraguatabarro e São Sebastião de São Sebastrovão. E estava errado? 
 
Sempre que estou em Ubatuba, não deixo de comer pizza na São Paulo. A minha preferida, e de Chiara, chama-se Carcamano. Na verdade, é de escarola, peço para substituir a muçarela por catupiry, não leva bacon, mas o que dá o gosto mesmo à pizza é o pinoli espanhol, simplesmente divino. Você encharca a pizza com os azeites que eles têm aos borbotões, grego, chileno, português, espanhol, e comer pizza torna-se uma experiência superior. 
 
Os dias estavam deliciosos e intensos, estava conseguindo me desligar um pouco dos problemas do mundo, da política brasileira, de tanta coisa que me causa indignação e desânimo, mas eis que de repente ouço a notícia no jornal: Taubaté não terá mais atividade delegada da Polícia Militar. 
 
A razão seria porque o prefeito da cidade não teria mais dinheiro para pagar. Foi com ele que perdi as esperanças de que um debate eleitoral pudesse mudar voto. Despreparado, e que dizia que queria ser prefeito porque era um sonho antigo — nada mais egocêntrico e infantil, tomou um banho da adversária e mesmo assim conseguiu ser eleito, e olha que havia do outro lado uma candidata digna e preparadíssima. Ouvi alguém dizer que não votou nela porque estava com medo do comunismo chegar a Taubaté; nada mais patético e bem Taubaté. 
 
Somente um banho de mar, um bom vinho, uma boa pizza, ou esta apresentação do João Guarnieri, pra gente se esquecer um pouco tantas barbaridades. 
 
 

 

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Sobre o prefeito, não é só Taubaté, essa situação é endêmica no Brasil hj, em qqr cantinho.
Vc tem razão em dizer que uma crônica nunca perde o time e essa é a vantagem de ser escritor: vc controla o tempo.
Espero que vc tenha conseguido descansar e, entre músicas, mar e pizzas, afiado suas ideias, pois estamos sempre sedentos do nosso cronista das pequenas coisas!
Gde abraço!
Manoel Nunes disse…
Olá, meu caro. Parece que aproveitou bem as férias. Uma dúvida que eu poderia esclarecer com o Google, mas acredito que sua resposta ficará mais saborosa rsrs: o que é o pinoli espanhol?
sergio geia disse…
Nádia e Manoel, grato pelos comentários.

É tão bom escrever, Nádia, e mesmo de férias escrevi bastante; volto com inspiração.

Manoel, meu amigo, pinoli é uma semente, da família das amêndoas, nozes, etc. Muito parecido com pinhão, porém bem menor, deixa a pizza com um sabor maravilhoso. Quando estiver em Ubatuba, conheça a Pizzaria São Paulo, você não irá se arrepender. Forte abraço!
Ana Raja disse…
Que crônica boa, Sérgio! O mar é revigorante .
sergio geia disse…
Grato, Ana! E como é revigorante! Tão boa como escrevê-la foi estar lá esses dias. Beijo!
Albir disse…
Essa paranoia política parece uma epidemia nacional, Sérgio. E é muito bom quando o banho de mar consegue nos lavar a alma. Bem-vindo de volta à sua casa.
Zoraya Cesar disse…
Amo as crônicas da sua vivência. Senti o cheiro da pizza, o gosto do suco, o ar. E como seu amigo toca bem! Quase me vi passeando com vc por entre descansos, mares, músicas.

Qto ao prefeito, bem, como disse a Nádia, nossa Countess, nao tem jeito. Nem falo nada, para nao estragar, com minha desesperança, a sensação tão gostosa que te ler me deu.
Anônimo disse…
Ubatuba e Caraguá são as praias da minha infância. Tenho parentes em S. José dos Campos (tios e primos da minha mãe). Assim, todo verão oitentista, passávamos ou em Uba ou em Cara. Uma festa atrás da outra. Época linda. Sua crônica fez-me criança de novo. André Ferrer aqui.
sergio geia disse…

Albir, meu amigo, banho de mar lava muito a alma.

Zô, querida, outras de vivência virão.

André, meu caro, feliz em saber que a crônica lhe fez bem.

Obrigado, gente!

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