AMOR É PÊSSEGO >> Carla Dias
Compreendeu cedo que nem todos amam. Os desapegados são seres interessantes, camaleões que se adequam a quem e àquilo que os orbitam. Não precisam de muito para viver em paz. Não necessitam do que já têm consciência de serem capazes de conseguir ou substituir.
Durou sete segundos, mas desejou ser um deles. Então, compreendeu sua incapacidade diante de tal benefício.
Não entende o amor que não dá volta e abraça todos os envolvidos. Não entende o amor que não compreende que as pessoas vivem de ceder e conceder.
Apesar de não entender essa condição onde amor não é amor, é algo que não cabe no afeto, na conexão, no respeito e na troca, vive curiosa sobre como tantos delegam ao “eu te amo” a função de resolver seus vazios. Talvez por isso eu te amo é frase que nunca disse. Não sabe quando ela escapará de sua boca, mas só o fará para verbalizar o sentimento genuíno.
Escolhia peras na banca da feira de sábado, na rua paralela à de sua casa. Envolvida com seus pensamentos, e com a fruta que segurava, nem percebeu quando ele parou ao seu lado, apenas reconheceu sua presença em um espanto diminuto. Animado, o menino sorria e apontava a banca para os pais. De repente, ele se desconectou deles e de todos à sua volta. Começou a tatear os pêssegos, a mão se arrastando sobre a pele das frutas, como se desfilasse em uma passarela macia. Demorou-se nos mais maduros, e então parou sobre um dos pêssegos, fechando a mão e alargando o sorriso, dedicando alguns segundos ao encantamento do toque.
Assistia ao deslumbre dele quando levou o pêssego à boca e o mordeu, dizendo, ainda mastigando a carne da fruta, eu te amo. Acreditou no menino.
Imagem © Isabel Fernandez por Pixabay
Clique aqui para conhecer o livro “Fugas – pausas e desatinos”.
Comentários