HONRA AO MÉRITO >> Albir José Inácio da Silva
Madureira é sempre quente com suas escolas de samba, mercadão, comércio nas calçadas e muita gente nas ruas. Mas naquele dezembro eu sentia calafrios enquanto caminhava para o colégio. É que eu nunca tinha ganhado uma medalha na vida e, pelo que andei ouvindo, dessa vez ela viria.
Nas duas carteiras duplas em frente à mesa da professora ficavam os quatro alunos com melhores notas nas provas bimestrais. Eu não saí dali durante todo o ano e era o único que não tinha nota vermelha.
Era também o único menino, o que fazia a servente-inspetora me chamar de bendito fruto encardido, referindo-se à escassez de melanina das outras integrantes do quarteto.
- Esse moleque dá muita sorte nas provas – dizia ela.
A cerimônia começou com pais emocionados e alunos agitados na sala com pouco oxigênio. E eu com taquicardia.
Iam chamar o terceiro lugar e eu pensei “o terceiro já me serve!” Mas não, não era eu.
O segundo também não era eu e a aflição aumentou.
Eu podia ganhar o primeiro lugar, não tinha nota vermelha, mas achava difícil. Eu nunca ganhei medalha antes!
O mundo desabou quando eu não fui o primeiro colocado.
Não ouvia mais nada. Estava em choque. Não era possível! Sem uma nota vermelha e sem medalha.
Estava eu nesse desamparo quando a colega já medalhada me cutucou:
- É você!
Que eu? Que lugar eu tirei? Na frente a diretora me olhava com uma medalha na mão:
- Venha! Você é orconcur!
Eu não entendi nada. E não gostava daquela palavra feia. E que lugar era esse? Era depois do terceiro?
Ninguém me explicou o que era orconcur e não perguntei a ninguém, com vergonha. Que humilhação! Que inveja das meninas!
Em casa ninguém sabia o significado nem se importava com isso. Mostraram orgulhosos a medalha para os vizinhos e estranharam que eu estava com “aquela cara” depois de receber um prêmio.
Eu não era o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro lugar. Eu era aquilo.
Anos depois, assistindo pela televisão o concurso de fantasias de carnaval, compreendi o significado. Clóvis Bournay também era hors concours, ou seja, sem concorrentes, especial. A lisonja chegou tarde para aplacar o sofrimento da minha primeira medalha.
Madureira continua quente, festiva e cheia de gente. O quarteirão em que ficava a escola é agora um shopping. Quando passo por ali, não esqueço de que fui o hors concours mais indignado que já existiu na terra do samba.
Comentários
Esses palavrões q a gente ouve na infância, em q alguns adultos presume q o significado seja conhecido pra todos... Quem nunca? Ainda bem q o gostinho da glória chegou pro menino.