MOENDO SUCESSOS >> whisner fraga
a palavra do ano é conteúdo, a da década, talvez,
o clichê do século é: produção de conteúdo,
e nisso a lógica do mercado (outro lugar-comum, só que um pouco mais elaborado),
big techs (o inglês continua sendo nosso latim) querem dinheiro e não temos ideia do que seja este substantivo: dinheiro,
para lucrarem bilhões, quiçá trilhões de dólares (a moeda de nosso tempo, o termômetro, a religião universal) só moendo gente,
só espremendo mão-de-obra até o bagaço se tornar sangue, que será reciclado para a geração de novos resíduos,
embora instagrammers não sejam considerados trabalhadores,
depois repaginar o sonho: hoje qualquer um pode se tornar celebridade, milagrosamente,
e nem estou contando os cinco minutos: é muito mais tempo sob os holofotes digitais,
e o que é necessário, além da sorte?,
produzir conteúdo, iluminar as conexões binárias com banalidades,
produzir muito conteúdo,
muito,
lotar os mecanismos de busca (outro termo do milênio) de frivolidades,
o sobrenome em néon,
nada de pesquisas fundamentadas nem boas edições nem linguagens apuradas nem veracidade (se for ficção, ok, isso não é mesmo necessário) nem rigor nem cautela nem profundidade nem,
conteúdo fabricado em três minutos,
conteúdo por segundo: copiado, reciclado, ultraprocessado,
subprodutos de conteúdos,
a fama, a fortuna, só dependem de você: esqueça a ideia, basta uma câmera na mão,
e uma dancinha no corpo,
uma não, várias, milhares, milhões, bilhões, meio centavo por cada uma,
infinitas subdancinhas para cada dancinha, até o céu deixou de ser limite,
piadas, memes, animações, imagens, infográficos de powerpoint, comentaristas de dancinhas, resenhistas de memes,
é preciso triturar tudo pra caber no lucro.
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imagem gerada no dall-e, a partir de uma orientação minha, inspirada em basquiat.
Comentários
Um bom resumo do que vivemos. Ainda bem que há a escolha de ser o que vivemos, mas não o que criamos ou consumimos.